Parte I - Christian, Alexander e eu

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Não costumo me irritar fácil.

Aveline costuma não manter as coisas fáceis.

—Sim - Digo de maneira indiferente e quase apática. Já havia respondido a pergunta. Três vezes. Somente nesse jantar – Eu me lembro sim Aveline, não teria a mínima possibilidade de esquecer, como você faz questão de nos lembrar constantemente, eu sei que sua filha volta amanhã.

Encaro meu pai em busca de uma reação. Não encontro nenhuma.

Normalmente significa que ele concorda.

Mas não soaria muito certo um padrasto não demonstrar felicidade ao lembrar da volta de sua enteada que fez um intercâmbio de seis meses na Espanha, não importa quantas vezes ela fosse mencionada. Diariamente. Eu acho. Então ele engole um pedaço de sobremesa.

Desvio o olhar.

Percebo que a pétala de uma das Tulipas Negras no vaso marmorizado em cima da mesa está caída. 

Às vezes me pergunto por que ninguém mais parece reparar nessas coisas.

Durante minha vida fui frequentemente chamada de distraída, até alienada, de vez em quando.

Não concordo.

Se as pessoas fossem assim tão mais atentas que eu, eu não seria a única a reparar em uma diferença tão gritante nas flores. Pessoas distraídas podem ser as mais observadoras então, se o adjetivo for usado desta maneira. Sem perceber, estou com a pétala na minha mão, brincando entre os dedos.

— Parece que ela arrumou um namoradinho - continua  Aveline, com uma empolgação juvenil demais para alguém com mais de trinta anos - Um menino que estudava na mesma escola.

—Sério? - Não sei dizer se meu pai realmente se importa ou se prefere tentar desviar a atenção da minha resposta sincera - Uma pena que eles vão ter que se separar, agora que Harper vai voltar para os Estados Unidos.

De repente, a flor defeituosa não parece mais tão interessante.

Minha quase irmã postiça não é uma pessoa que eu considere agradável. Ou inteligente. Ou ao menos empática. Suponho que, para gostar dela, esse garoto deva ser muito paciente, ou, muito provavelmente, imbecil. Como sua nova namorada.

Agradeço qualquer que tenha sido a força universal  que fez eles se separarem, não seria um casal que gostaria de conhecer.

—E era exatamente sobre isso que queria discutir. Ele também vai fazer um intercâmbio aqui na América, ela o convenceu a ficar até o final deste ano, assim eles podem passar mais tempo juntos, enquanto ele aprende inglês.  Maravilhoso, não acham?

Não.

Engasgo com o suco de uva na minha boca, manchando a toalha de mesa feita de seda bege. Sinto  pena de quem vai lavar, mas foi uma reação inevitável e praticamente involuntária.

É, parece que o universo decidiu pregar algumas peças comigo hoje. Surpreendentemente, a reação do meu pai não é muito diferente, ainda que consiga segurar a bebida dentro da boca.

—Você não espera que esse garoto fique com a gente, espera? Eu não vejo problema algum em uma menina de dezessete anos namorar, mas não posso admitir que o namorado viva na minha casa, se essa era a expectativa, me desculpe Aveline, mas Harper deveria ter pedido permissão para mim primeiro. Sinto muito, mas essa é a minha palavra final. Temos Delilah morando conosco, o mínimo que devemos a ela é respeito.

Estava tudo indo bem demais.  Até a última frase.

Você deveria ter a coragem de dizer não pra ela sem que a culpa venha para mim. Obrigada, pai.

Não Pense (Primeira parte completa!)Onde histórias criam vida. Descubra agora