Capítulo 42

1 0 0
                                    

42

Não preciso que nenhum dispositivo me faça acordar no dia seguinte.

Não estava dormindo.

Sou a primeira a descer as escadas, e, diferente do usual, sinto fome assim que saio da cama.

Me sento na mesa da cozinha, e os outros moradores começam a tomar seus lugares ao meu lado enquanto coloco iogurte no cereal.

Consigo sentir a mudança gradual entre um silêncio confortável e uma tensão crescente assim que os ruídos da cadeira de Harper cessam, e estamos todos servidos.

Ninguém diz nada. Não é fora do comum.

Todos temos nossos segredos. Todos temos medo de que a pessoa do nosso lado seja capaz de enxergá-los.

Especialmente se considerarmos o que nós escondemos, de quem mantemos. Às vezes esses dois são a mesma coisa.

Levo um susto quando, repentinamente, Harper limpa a garganta:

—Mãe, Robert. Eu ... eu queria. Não, eu preciso. É, eu preciso falar com vocês, os dois.

Minha postura tenciona involuntariamente.

Já sei o que a conversa será sobre.

Independentemente de todas as nossas adversidades, só consigo imaginar como passar por isso deve ser.

Decido que vou apoiar, caso ninguém mais apoie.

—O que foi, Harps? Tudo bem? - Indaga sua mãe.

—Pode dizer, querida. Estamos ouvindo. Só não peça para te tirarmos do castigo, não vai acontecer, não dessa vez, mocinha.

Insiste meu pai, sorrindo carinhosamente.

Ela retribui o gesto, mesmo que não naturalmente.

Harper nega com a cabeça.

Sinto sua perna encostar na minha, está balançando os pés impacientemente e raspando as unhas das mãos umas nas outras. Ainda que não tenha condições de me colocar no lugar dela, consigo entender a preocupação.

—Tudo bem. Vou dizer de uma vez. - Ela respira fundo. - Andrés e eu terminamos, há um tempo.

—Ele fez alguma coisa para você, Harps?

Pergunta meu pai instantaneamente.

—Não, não. Não é nada disso. Andrés é ótimo. Em todos os sentidos. É só que... Bom. Lá vai, eu não gosto dele.

Todos ouvem atentamente.

—Somos amigos, e continuamos muito próximos. - Harper prossegue, seus dedos, agora em cima da mesa, mexem inconscientemente na caixa de cereais - Mas sou apaixonada por outra pessoa. Fui eu quem terminou tudo. Estamos bem um com outro... mas, eu tenho alguém novo. Alguém...alguém  diferente do que vocês já estão acostumados a me ver.... perto, desse jeito. Seu nome é Dayu. Ela estuda comigo.

Meu pai arregala os olhos e sua boca se abre levemente em surpresa, ainda que não diga nada.

Aveline, no entanto, surpreendentemente sorri de forma genuína.

—Imaginava quando me contaria, filha.

Quem fica espantada dessa vez é Harper.

—Como assim, mãe?

Aveline aperta levemente a mão esquerda de Harper, de um jeito acolhedor.

—Harps. Você é minha filha, se tem alguém que te conhece, esse alguém sou eu. - Sua mãe acrescenta - Eu percebia que não estava feliz. Seus sorrisos não eram como sempre foram, pareciam quase ensaiados. Via como você sempre tinha uma desculpa para sair de casa quando começávamos a perguntar sobre seu namoro e via como evitava Andrés, pelos mínimos motivos. O resto, bom... foi intuição de mãe. Sabia que tinha algo para nos contar. Já desconfiava, só não podia ter certeza até sair da sua boca.

Não Pense (Primeira parte completa!)Onde histórias criam vida. Descubra agora