29
O resto do dia é tranquilo.
Uso algum tempo para pensar no que fazer com o menino morando sorrateiramente em minha casa.
Ele precisa de uma vida. Sair daqui. Vai morrer de tédio. Precisa de algo para fazer, ou um telefone, ao menos.
Minha cabeça roda em círculos, até que não consegue mais raciocinar direito.
Decido focar em coisas mais simples. Não é uma solução, mas não vou conseguir resolver nada se enlouquecer.
Levo um susto com as batidas na minha porta. Estou fazendo a lição de casa, com fones. É qause hora de jantar.
—Filha?
—Pode entrar.
Ainda estou sentada na escrivaninha quando meu pai vem para dentro do cômodo. Está usando um de seus ternos preferidos na parte de cima, com uma camisa social verde.
E calças xadrezes de pijama amarelas.
Arqueio as sobrancelhas.
—Estava em reunião. - ele explica, retirando o paletó e se posicionando ao meu lado, apoiado na mesa - Era online, tinha acabado de tomar banho quando me chamaram. Disfarcei. Mas não vou mentir, acho que gostei. O cinto pode apertar, às vezes.
Rio um pouco, junto com ele. Começo a ficar tensa, no entanto, quando sua risada se transforma em um acesso de tosses. Fortes. Suas mãos encontram o estômago e percebo, pela primeira vez, quão magro ele está. Parecia mais corado duas semanas atrás, também.
—Como foi lá, com o Alex?
Ele pergunta, limpando a garganta em uma tentativa falha de me consolar.
—Ah pai, - não consigo olhar em seus olhos - Normal. Assistimos uns filmes, comemos pizza. Nada importante.
—E como Daisy está?
—Mal. - não preciso realmente inventar muita coisa. - Não tem notícias, e não pode fazer nada, perdida. Eu imagino.
—Não sei o que faria no lugar dela. Não sei o que faria sem vocês. - A sinceridade em seu olhar é quase dolorosa, nostálgica. - Acha que se nós, não sei, a chamássemos para alguns jantares, para passar mais tempo aqui, com companhia, estaríamos ajudando?
—Acho que sim. Acho que seria bom.
—Depois de todo o apoio que ela nos deu, de tudo que ela já fez por você. E por sua mãe, não posso deixar de ajudar. Sentir saudade de alguém é...
—Doloroso. Bastante. Nós sabemos.
—Por isso não quero preocupar Aveline, ou Harper. - Ele suspira e passa as mãos pelo cabelo, cansado - Sei que tenho que contar. Vou contar. Mas não agora, não por enquanto. Aveline sabe que estou doente. Mas não tive coragem de dizer o quanto. Inventei, disfarcei. Disse que os acessos eram uma doença crônica. E Harper... Eu... eu não posso, Delilah. Eu amo elas demais. As duas. Não quero ser um fardo.
Meu pai realmente não sabe. Não tem ideia.
Não conhece as filhas da puta embaixo do telhado que ele paga para que elas fiquem.
Preciso fazer alguma coisa. Qualquer coisa. Rápido.
—Não queria nem que você soubesse - continua, sorrindo. - mas já deveria supor, dezessete anos depois, que é impossível esconder qualquer coisa de Delilah Houghton. É a filha da sua mãe, afinal.
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Não Pense (Primeira parte completa!)
General FictionPensar. A sutil e gradual arte de deslizar você mesmo em direção a insanidade. Ou a verdade, eu acho. Não poderia saber. Já tem um bom tempo que eu não penso. Não penso na minha mãe. Ou no meu pai. Ou neles. Não penso. Mantenho o controle. Tento. Me...