Senta Que Lá Vem História

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Cortamos a pizza e começamos a comer em silencio no quarto dele porque lá que tinha TV. Estava um climão enorme naquele lugar e isso estava me incomodando. Então eu tinha enfim descoberto a origem de todas as coisas esquisitas sobre esse cara, ou ao menos eu achava. Santa Absolut eu precisava saber a história toda, mas não ia força-lo a contar.

Olhei para ele discretamente. O cabelo molhado cobria seus olhos azuis, apesar de conseguir vislumbra-los por algumas brechas. Lindo como sempre, mas só que...triste. Isso era uma palavra estranha quando se aplicava a Kurt Reyes, aquele cara sarcástico, meio maluco que vinha me provocando desde o primeiro dia de aula. Totalmente esquisito, eu sei, mas o que eu poderia fazer? Acho que isso era o mais perto que ele tinha chego de contar sua vida pra alguém, ainda mais uma parte tão trágica.

Eu não queria ser assim, exageradamente invasiva. Atrevo-me até a confessar que eu me importava de certa forma e não estava nem aí para seus problemas, eu só queria saber. Ok, loucura total, mas não faz diferença alguma agora.

— Ok, - ele disse uma hora, me dando um susto — o que você quer saber?

Então ele ia me contar? Isso era uma surpresa e tanto. Tentei pensar numa maneira de não bombardeá-lo com perguntas e mais perguntas.

— Comece do inicio. – eu disse – E me conta até onde você achar melhor.

Talvez isso o tenha deixado um pouco mais aliviado, eu não sei. Só sei que pareceu demorar uma eternidade até que ele falasse de novo. Agarrou os joelhos e olhou para a janela fechada, como se realmente tivesse alguma coisa interessante lá além da chuva.

— Meu pai nunca gostou muito de mim, eu nunca entendi realmente porque. — começou lentamente, ainda sem me olhar — Isso me frustrava quando os professores me pediam para escrever sobre a minha vida, minha família e essas coisas. Eu já vi a mesma coisa acontecer nos filmes então comecei a pensar “Ah, acontece. Não tem problema.”, até porque eu não precisava dele, não realmente. Eu tinha meu irmão, minha mãe, foda-se meu pai, eu não preciso de um pai.

“ John era o filho preferido dele, mas um dia eu parei de ligar. Meu pai era o tipo de cara que planeja tudo pelo filho desde o dia que ele nasce: que faculdade vai fazer, o que vai aprender, para onde vai, qual trabalho vai ter...isso dá raiva numa pessoa quando ela percebe. Eu poderia ter odiado meu irmão, afinal ele era mais velho e era o que mais importava naquela casa, mas ele era o que mais evitava que eu crescesse com um sentimento de rejeição. Ele fazia questão que meu pai lembrasse que tinha outro filho, fazia questão que eu ganhasse tantos presentes quanto ele, que tivesse tantos amigos como ele...ele nunca me deixava de lado.”

Por algum motivo misterioso eu o abracei, foda-se. Ele não fez nenhuma objeção nem nada, apenas deixou que acontecesse e pareceu relaxar mais quando fiz isso.

— Eu não queria impressionar ninguém e meu irmão era a melhor pessoa que eu podia ter na minha vida. Ele me ensinou a tocar guitarra, me ensinou a brigar e às vezes até tomava a culpa por mim quando eu aprontava com o dono do posto de gasolina. Uma vez ele até me salvou de ir preso numa loja de conveniência quando eu quebrei uma garrafa e não queria pagar; ele foi lá e pagou por mim. Nós ficávamos juntos quase o tempo todo, jogávamos videogame o dia inteiro, eu ai nãos jogos dele e ficava lá até tarde... não era uma vida ruim. Uma coisa meio Sam e Dean Winchester, sabe? Só que sem monstros.

“ De qualquer jeito, era divertido e tudo o que eu tinha que fazer era fingir que meu pai não existia. E não importava o que eu John fossemos fazer das nossas vidas, eu tinha certeza que faríamos bem. Até pensamos em abrir, sei lá, um restaurante e um cyber café. É bem legal essa lógica de que “ seu irmão se torna seu melhor amigo para se tornar seu irmão” e isso se aplicava bem a nossa relação.”

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