— Vamos, rapaz! Reage! — O médico cirurgião falou olhando fixo para a tela que deveria contar os batimentos cardíacos de Raul, mas que, ao invés disso, tinha sua contagem zerada.
Então carregaram o desfibrilador mais uma vez e aplicaram um choque no peito de Raul, que, com o impacto, teve seu corpo levemente erguido.
Mais alguns instantes de espera e, então, para o alívio da equipe médica, os batimentos do jovem rapaz começaram a ressurgir.
Ainda não era o seu momento de partir.
Despertei de um sono curto, mas pesado, sentindo a tristeza e o desespero me invadir. Nando, sentado ao meu lado, ao me ver transtornada, perguntou com seu tom sereno que, às vezes, fazia-lhe parecer mais velho do que eu:
— O que aconteceu, Lori?
— Eu sonhei com o Raul — respondi, ofegante. — Sonhei que ele me deu um abraço apertado, mas muito apertado mesmo, sabe?
Nando me fitou por alguns instantes e, então, pareceu entender o que eu queria dizer.
— Nós não precisamos pensar no pior, Lori — ele disse afagando minhas costas.
Ainda não havíamos conseguido localizar Raul naquele hospital, e ele tinha que estar ali, pois já não restavam hospitais para ir. Mas aquele sonho me perturbou.
— Pareceu que ele estava se despedindo de mim, Nando — tentei justificar meu desespero.
— Mas um abraço apertado não significa só despedida, Lori. Pode significar reencontro também.
Eu neguei compulsivamente e comecei a chorar.
Eu nunca havia perdido alguém querido. Felizmente, esse tipo de experiência eu nunca tive. Mas, de repente, eu imaginei que aquela fosse a sensação. Um sentimento horrível de vazio, como se houvesse um buraco em meu peito. E não existiam palavras que fossem capazes de me consolar.
Então ele se levantou e foi buscar um copo d'água. Estávamos na recepção do hospital. Haviam colocado Kevin sob o efeito de um calmante, pois ele estava muito agitado, mas, para o alívio do meu pesado coração, ele não havia sofrido nenhum traumatismo grave. O sangramento em seus ouvidos foi devido a um impacto em sua cabeça, assim como o corte que ele tinha perto da nuca. Porém, nada que o colocasse em risco real.
Um milagre. Só podia ser um milagre.
Encontraram-no com cinto de segurança na poltrona 5, embrulhado com um casaco que era de Raul, pois me mostraram e eu logo reconheci. Mas o que eu não conseguia entender era porque Raul não estava ao seu lado. Ele devia estar. Porém disseram que ao seu lado não havia ninguém.
Quando Nando retornou com o copo d'água, eu estava mais devastada do que antes. É incrível como a nossa mente pode criar uma bola de neve de medos em tão pouco tempo.
— Não devem ter conseguido identificá-lo, por isso ele não está na lista — disse Nando, sentando-se ao meu lado outra vez.
— E se não tiverem encontrado ele? E se ele estiver lá ainda?
A ideia de Raul ainda estar no meio dos escombros me causava uma dor descomunal. Na TV, diziam que, provavelmente, ainda restavam vítimas não socorridas e eu apenas esperava com todas as minhas forças que ele não fosse uma delas.
Com os pensamentos abalados, eu me levantei e fui ao banheiro. Encarei-me no espelho e temi meu próprio reflexo. O cansaço escapulia pelos meus olhos. Então me encostei na pia e deixei que as lágrimas rolassem mais uma vez.
Porém, talvez por estar acostumada a ter que me recompor rapidamente para não deixar que os meus problemas afetem os meus filhos, enxuguei as lágrimas pouco depois. Eu precisava me manter firme, por mais difícil que fosse. Então respirei fundo e saí do banheiro.
Assim que saí e tomei o corredor que levava à recepção, precisei grudar minhas costas na parede quando vi três enfermeiros vindo com uma maca, pedindo licença a todo mundo que atravessava na frente.
Eles passaram diante de mim rapidamente, mas, mesmo com toda a velocidade deles, eu olhei para a pessoa deitada na maca e tive a impressão de que era Raul. Acho que reconheceria aqueles olhos pequenos em qualquer lugar.
— Com licença, eu... — Alcancei um dos enfermeiros que empurrava a maca.
— Pois não?
Eu não dei mais atenção para o enfermeiro. Eu apenas queria me certificar de que era Raul e que ele estava bem. Então me aproximei e vi que ele estava com a cabeça enfaixada e parecia dormir. Estava entubado e tinha o braço e a perna esquerda engessados. Seu rosto estava cheio de cortes, alguns com pontos, outros não.
Diante daquilo, eu senti um misto de tristeza e alívio.
— Você o conhece? — Um dos enfermeiros me perguntou, talvez porque me percebeu atônita.
— Eu... Sim, eu...
Eu quis segurar a mão de Raul, mas não pude. Os enfermeiros continuaram empurrando a maca até um elevador próximo e, quando eu tentei segui-los, dizendo que precisava saber mais, um deles me parou e disse que o médico me procuraria para falar sobre o estado de Raul e recolher informações dele. Perguntou meu nome e me pediu para não sair da recepção.
— Mas para onde vocês estão levando ele? — Perguntei alto, chamando a atenção de todos que estavam ao redor.
— Ele vai ser transferido para São Paulo...
— São Paulo?
Meu coração falhou uma batida.
— Por que vocês vão transferi-lo para lá?
— Ele precisa urgentemente de uma craniotomia e o hospital não dispõe dos recursos para fazê-lo. Então conseguimos uma vaga para ele em um hospital público em São Paulo.
Imediatamente, lembrei-me de Carlos. Ele era diretor e cirurgião neurologista em um hospital fundado pela família dele em Belo Horizonte. Eu sabia que ele não me negaria ajuda mais uma vez. Além do mais, ele era a única pessoa no mundo a quem eu confiaria a vida de Raul.
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Eu fiz todos os trâmites legais para transferir Raul para Belo Horizonte. Como imaginei, Carlos não hesitou em me estender uma mão. Com a papelada que tinha, consegui provar que Raul não tinha os pais e que eu era a única pessoa capaz de prestar-lhe assistência. Após jogarem o nome dele no sistema, verificaram que ambos seus pais eram falecidos e que ele era o responsável legal do irmão e, assim, também foi possível conseguir uma transferência para Kevin.
Raul foi transferido primeiro porque seu estado de saúde era realmente grave. Quando ele chegou a Belo Horizonte em um helicóptero cedido pelo próprio hospital onde estávamos, Carlos me deixou à par de tudo, dizendo que entrariam com ele para a cirurgia naquele exato momento. O alívio que senti foi indescritível. Depois de horas de tensão interminável, saber que, apesar de não estar bem, ele receberia um bom tratamento, me deixou com um pouco mais de esperança.
Pela manhã, um helicóptero do hospital de Carlos nos apanhou. Kevin já havia acordado, mas estava um pouco zonzo. As recomendações médicas eram de que ele deveria ficar, pelo menos, mais uns 3 dias em observação. De maneira que ele também foi alocado no mesmo hospital que Raul.
Eu sabia que a jornada daí para frente seria dura. Voltar para Minas não era garantia de que a tempestade havia tido um fim. Na verdade, tudo indicava que ela estava apenas começando e eu não podia deixar de pensar na razão daquilo tudo. Afinal, por que coisas tão terríveis tinham que acontecer com Raul? Ele apenas queria ver a avó, reconstruir sua vida e ser feliz, mas um maldito acidente que dava sinais de querer deixar sequelas atravessou seu caminho sem mais, nem menos.
Onde estava Deus?
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O Malabarista - Concluído
SpiritualRaul é um morador de rua que perdeu sua mãe e, desde então, vive debaixo de um viaduto com o seu irmão mais novo chamado Kevin, de apenas 7 anos. Ele vive sem muita esperança de ter a sua sorte mudada, embora esteja sempre consolando o seu irmão, di...