Capítulo 57

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OITO ANOS ANTES

Victor e Lorena estavam desfrutando de uma paz incomum. Quem os olhasse agora, sem conhecer o passado ou o futuro, poderia jurar que ambos tinham tudo para dar certo. E a paz era tamanha que, por ocasião da chegada do Réveillon, ambos decidiram viajar para a Disney. Ou melhor, a decisão foi tomada por Lorena, que também arcou com os gastos. Afinal, Victor nunca foi o mais afortunado entre os dois.

Naquela época, Bernardo tinha oito anos e vivia com medo das ocasionais brigas entre seus pais. Qualquer palavra dita um pouco mais alto por Victor ou Lorena já era capaz de acelerar o coração do garoto. Normalmente, em casa, quando as discussões tomavam espaço, Bernardo costumava ir para o seu quarto e trancar os olhos, a fim de esperar até que o silêncio voltasse a vigorar novamente. Às vezes, isto funcionava, mas nem sempre. O tamanho extenso da casa ajudava o pobre menino a não escutar certas coisas.

Mas na viagem em questão, foi impossível para Bernardo evitar ouvir de perto as trocas de palavras ofensivas entre seus pais.

Tudo ia bem, ou quase bem. Bernardo até se sentia feliz. Estava na Disney com seus pais e o seu irmão mais novo. Parques temáticos. Uma infinidade de brinquedos. E deliciosos sorvetes. O sonho de qualquer criança. Ou será que não?

Às vezes, quando olhava para Ícaro, que ia no carrinho sempre segurando um brinquedo, Bernardo sentia inveja. De certa forma, queria ser seu irmãozinho. Pois ele parecia mais feliz, mais tranquilo. Afinal, recém-chegado à família, Ícaro ainda não entendia muita coisa. Bernardo por sua vez... Pobre alma! Já entendia muito. Entendia, inclusive, a tensão entre Lorena e Victor, que, volta e meia, acusava a loira de traição, pois não acreditava que Ícaro fosse mesmo o seu filho.

Mas, tentando não se abater, Bernardo resolveu desfrutar da viagem. Brincou bastante. Comeu tudo que coube no estômago. E sorriu nas fotos.

"Talvez," pensou, "meus pais tenham realmente feito as pazes. Talvez, agora, sejamos uma família feliz. Talvez, eles estejam finalmente se amando de verdade".

Não se pode culpar uma criança por pensar assim. Afinal, até onde a sua mente ingênua pode ir? Bernardo não era maduro o suficiente para perceber que o que havia entre os seus pais naquele momento não era amor propriamente dito. O relacionamento entre Lorena e Victor estava seguro por um fio, como sempre estivera. Mas, para um garoto de 8 anos, ver seus pais se beijando e sorrindo, ou até brincando um com o outro, pode significar muita coisa, inclusive amor. Ele jamais poderia imaginar que a próxima briga estava a menos de um passo.

Era tarde da noite. Bernardo e Ícaro estavam dormindo sozinhos no quarto de hotel enquanto Lorena e Victor estavam fora, em um bar.

À certa altura, Bernardo acordou e viu que já se aproximava da meia-noite. Olhou para cama de casal ao lado da sua e teve medo ao vê-la vazia. Então se levantou e foi até o berço, a fim de se certificar de que Ícaro estava bem, pois assumiu a responsabilidade de cuidar dele enquanto seus pais estavam fora.

Tendo visto que seu irmão dormia tranquilamente, Bernardo voltou para sua cama e embrulhou pé e cabeça, trancando os olhos para espantar o medo. Quando, então, ouviu a porta do quarto ser aberta de uma vez, nem precisou escutar qualquer palavra, pois logo soube que estava diante de mais uma briga de seus pais.

— A próxima vez que você bancar a espertalhona comigo daquele jeito eu vou te...

— Espertalhona, Victor?! Foi você que disse que não queria dançar.

— Isso não significa que você pode sair por aí dançando com o primeiro idiota que aparece na sua frente.

— Ué! Mas eu queria dançar!

— Se continuar assim, você vai dançar no inferno, porque é pra lá que eu vou te mandar!

Victor se sentou sobre a cama e arrancou os sapatos, jogando-os de lado, enquanto Lorena riu insolentemente. Ambos estavam bêbados e Bernardo logo soube, sem nem precisar abaixar o cobertor para ver.

— O engraçado é que você pode comer com os olhos tudo quanto é mulher, mas eu não posso dançar com um cara. Justo! Muito justo da sua parte, João Victor! — Lorena prosseguiu, trocando o sorriso nos lábios por um semblante irritado.

— Que mulher, Lorena?

— Não se faça de tonto, imbecil! Eu vi você com o zoião em cima daquelas gringas lá!

— Você é doida!

— Tão doida quanto você que não confia no seu taco e me inferniza por causa de uma dança.

— Uma coisa é dançar, Lorena. Outra coisa, é ficar se agarrando com um cara que você nem conhece.

— Quem te disse que eu estava me agarrando com alguém?!

— Ninguém precisa me dizer porra nenhuma. Eu não sou cego! Eu vi você se esfregando naquele corno! — Victor apontou o dedo para a loira, que outra vez riu com insolência.

— No caso, o corno aqui é você, né?

Num piscar de olhos, Victor avançou na direção de Lorena e a agarrou pelo cabelo, mas nem isto foi capaz de fazê-la parar de rir, o álcool sequestrou-lhe toda e qualquer prudência.

— Me dê um bom motivo para eu não te meter um soco, Lorena — Victor vociferou.

Bernardo, que tinha medo de revelar que ainda estava acordado, abaixou levemente o cobertor e viu o sorriso bêbado nos lábios da sua mãe, enquanto seu pai, aquele que deveria ser o protetor, o modelo a seguir, segurava-a pelos cabelos e apontava-lhe um dedo no rosto.

— O que é tão engraçado, sua idiota? — Victor perguntou, percebendo que Lorena ainda ria.

— Além da sua cara?

— Você é um porre quando fica bêbada, Lorena. Puta que pariu!

Victor soltou o cabelo da loira com brusquidão e caminhou até o banheiro, dizendo:

— Da próxima vez, me lembre de não te deixar beber tequila.

Percebendo que seu pai havia fechado a porta do banheiro e tendo ouvido o barulho da água do chuveiro caindo lá dentro, Bernardo descobriu o rosto por completo e viu que, agora, Lorena parecia acariciar os cabelos loiros de Ícaro, que havia acordado com aquela discussão. Então, sem hesitar, se levantou e foi até sua mãe para abraçá-la, não se importando com o leve cheiro de álcool que não era tão comum na loira.

— Você ainda está acordado, filho?

Bernardo nem quis responder. Abraçava Lorena porque, entre sua mãe e seu pai, ela era sem dúvida a que ele mais amava, apesar de que, às vezes, não entendia porque ela tinha que agir tão insolentemente. Aliás, sequer sabia o que era insolência. Pensava que os conflitos familiares aconteciam apenas porque Deus não ia muito com a sua cara. Por que não lhe dar pai e mãe como aqueles dos seus amigos? A única explicação que achou é que, no céu, deveria haver um complô contra a sua pobre alma.

O Malabarista - ConcluídoOnde histórias criam vida. Descubra agora