Com os 50 reais que Lorena havia dado, Raul e Kevin compraram o que era necessário para o dia, podendo até economizar alguns reais para o dia seguinte. Por isso, resolveram ficar o restante da tarde de folga.
Kevin decidiu aproveitar suas horas de descanso brincando com uma bola murcha no gramado seco que havia ao lado da cabaninha onde moravam, enquanto Raul se empenhou em aprender novas manobras no monociclo, tendo como público os carros que passavam de um lado para o outro soltando fumaça e fazendo um barulho quase infernal.
De repente, quando, por causa de um chute forte, a bola murcha com que Kevin brincava voou na direção da avenida, Raul gritou pelo irmão que, imprudentemente, correu na direção da rua:
— Kevin, cuidado!
Mas, talvez pelo barulho dos carros, Kevin pareceu não escutar o irmão e continuou correndo. Então, temendo que algo ruim pudesse acontecer, Raul deixou seu monociclo no chão e praticamente correu na direção do garotinho. Porém, ele se deteve quando viu um carro grande e branco estacionar próximo a Kevin e dele descer Lorena exalando certa pomposidade, com óculos escuros e salto alto. Imediatamente, o jovem rapaz sentiu um frio na espinha.
— Foi ela, Raul! Foi ela que me deu os 50 reais! — Kevin gritou apontando para Lorena.
De repente, Raul sentiu como se tivesse perdido o chão por debaixo dos seus pés. Aquele traje social, carro caro e aparecimento repentino só podia significar uma coisa: Conselho Tutelar - pensou ele com o coração na mão.
— Olá de novo, moça! — Kevin exclamou, animado, e encarou Ícaro que, descendo do carro, abraçou a cintura da loira.
— Esse daqui é o meu filho Ícaro — Lorena apresentou seu caçula para Kevin. — Diga 'oi' para ele, amor.
Ícaro, timidamente, acenou com a mão direita e Kevin fez o mesmo.
— Você comeu? — Lorena perguntou ao garotinho que, apesar de tudo, vivia sempre sorridente.
— Sim. Nós fomos no supermercado e compramos muita coisa. Até sobrou dinheiro!
Lorena sorriu feliz enquanto acariciava os cabelos loiros de Ícaro, que seguia abraçado à sua cintura, quando, erguendo o olhar, viu Raul parado a alguns metros de distância.
— Aquele é o seu irmão?
Kevin olhou para trás e assentiu animadamente e, logo em seguida, gritou:
— Raul! Vem!
Mas o rapaz, desconfiado da procedência de Lorena, fechou a expressão e exclamou firmemente:
— Vem para cá, Kevin!
— Mas, Raul, ela...
— Agora, Kevin!
No mesmo instante, os olhinhos do pequeno garoto marejaram e ele, não vendo outra saída, tentou se despedir de Lorena, mas ela falou primeiro:
— Kevin, — já havia aprendido seu nome — diga ao seu irmão que eu trouxe algumas coisas para vocês...
— É de comer? — Os olhos de Kevin brilharam.
— Sim.
O garotinho nem esperou que Lorena dissesse qualquer outra coisa, logo saiu correndo na direção de Raul.
De longe, a loira observou os dois irmãos falarem sobre alguma coisa e era evidente, mesmo numa distância razoável, que Raul não estava contente. Quando, então, Kevin voltou com o rosto vermelho, sinalizando que prendia o choro, tudo se confirmou ainda mais.
— O Raul disse assim, que não aceita nada do que você trouxe e também disse que é pra você ir embora daqui.
— Mas... Por quê? — Lorena perguntou, confusa e, quando ergueu o olhar, viu Raul se aproximando com certa pressa.
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O Malabarista - Concluído
SpiritualeRaul é um morador de rua que perdeu sua mãe e, desde então, vive debaixo de um viaduto com o seu irmão mais novo chamado Kevin, de apenas 7 anos. Ele vive sem muita esperança de ter a sua sorte mudada, embora esteja sempre consolando o seu irmão, di...