Ao fechar a porta da cozinha atrás de mim, senti aquele cheiro repugnante de novo. Chequei a lixeira pela milésima vez.
Nada.
A pia estava limpa. "Só pode ser alguma coisa na geladeira." Abri a porta intrigada e examinei o conteúdo: quatro ovos, duas garrafas de leite, uma jarra de água e uma lata de feijoada enlatada aberta na semana passada. "Deve ser isso!" Coloquei o item suspeito em um saco plástico e joguei fora.
Eu estava exausta. Ser promovida também tem seus efeitos colaterais: maior carga de trabalho, mais responsabilidades, horas extras, mesmo assim eu estava feliz por ocupar minha mente com trabalho.
Liguei a TV, estava passando "Perigo em Bangkok", um filme de ação com o Nicholas Cage. "Perfeito, provavelmente isso vai me manter acordada." Realmente, o enredo prendeu minha atenção até a cena do jantar, mas aquele um casal flertando no restaurante tailandês fez minha minha mente viajar cinco meses no passado, de volta ao Tuitong, nosso restaurante preferido.
Curry vermelho picante com pato crocante e arroz branco dispostos sobre a mesa junto com uma garrafa de Brut Blanc de Blanc do Vale Moonson, Tailândia.
"À sua bolsa de pós-doutorado", propus um brinde.
"À namorada mais maravilhosa do mundo!" Ben ergueu seu copo, "eu nunca conseguiria sem sua ajuda e apoio."
Nossos copos tilintaram. O líquido borbulhante fez cócegas na minha garganta enquanto eu bebia e sorria para o homem à minha frente "O mérito é todo seu. Tudo o que eu fiz foi acreditar em você!" Coloquei o copo sobre a toalha branca de cetim.
Ben alcançou minha mão sobre a mesa "Um ano passa rápido, Elisa, e você pode ir me visitar no Natal!" Ele piscou.
Apertei sua mão entre os meus dedos. "Claro! Contanto que você não se apaixone por uma nerd americana e me esqueça!" Provoquei.
"Nunca! Nenhuma nerd, ou melhor, nenhuma mulher neste mundo se compara a você, Elisa! Minha Elisa!" Ele beijou minha mão. "Eu prometo que vou mandar mensagens todos os dias e podemos usar o Skype também!"
"Não me prometa nada, Ben. Harvard vai exigir muito de você, não é como aqui. Você vai viver para trabalhar, não terá tanto tempo... vai precisar acompanhar seus colegas de trabalho, até trabalhar mais que eles para se destacar. Temos esta noite, vamos aproveitar ao máximo." Sorri mas o coração estava apertado.
Algo no Nicholas Cage naquele filme me lembrava o Ben, talvez fossem os olhos, aquela promessa de um final feliz que se evaporou pelo ar. O filme terminava em tragédia, minha vida não era tão horrível. Eu sobrevivi!
Os primeiros dois meses separados foram os piores. Primeiro senti a falta física do Ben, o apartamento ficou grande demais, minha cama parecia uma king size! Depois senti a falta das mensagens diárias e, então, quando tudo se transformou em silêncio, cada objeto me lembrava dele. Tinha chegado a hora de esconder as fotos e jogar fora os ursinhos de pelúcia.
Agora, eu apenas sentia fome.
Tornei a abrir a geladeira e aquele cheiro horrível voltou. Vasculhei o interior iluminado. "Meu Deus, mas o que é isso?"
Uma caixinha vermelha com "Tuitong" escrito em letras douradas permanecera ali, escondida atrás das garrafas de leite. A última lembrança daquela noite romântica transformara-se em um coisa nojenta.
O amor é como um alimento, nutrir-se dele após a expirada a data de validade pode ser tóxico.
É hora de buscar outros sabores.
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Amor Áspero
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