De coração aberto

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Emma beijou os dois filhos na testa e sorriu ao vê-los correr até a perua da escola, sacudindo as lancheiras e provavelmente esmagando os sanduíches, amassando as frutas e esfarelando todo e qualquer biscoito que estivesse ali. Ou seja, eram as crianças sendo crianças.

Tom passou por ela em seguida e beijou-a nos lábios. "Tchau, amor!" E lá se foi o marido apressado esperar resposta.

Emma terminou a caneca de café preto com calma, arrumou a cozinha e subiu para o escritório compartilhado. Uma agenda repousava aberta na escrivaninha do marido.

Ela pegou-a de cima da mesa.

"Ah, Tom, sempre tão distraído, pés no chão, mas a cabeça..."

Emma estacou no lugar, os olhos fixos na caligrafia familiar: almoço às 13 horas, acompanhada por um nome não tão familiar e um pequeno coração.

Sua mente disparou.

"Quem diabos é Kim, Tom?" A cada batida do coração, Emma sentia uma mistura de raiva e indignação percorrendo suas veias. Ela pegou o celular e ligou para o escritório de Tom.

"Conceito Engenharia. Em que posso ajudar?" Uma voz educada saudou-a do outro lado da linha.

"Bom dia, Suzana. Aqui é a Emma, Esposa do Tomás Pellegrino. Hmmm. Espero que você possa me ajudar. É que... Bem, o Tom e eu combinamos de almoçar, mas eu não me lembro onde. Se eu perguntar, ele vai reclamar que eu não prestei atenção e podemos acabar brigando... Será... Será que você pode checar na agenda onde o Tom vai almoçar hoje?" Ela tentou parecer bem-humorada, mas sabia que sua performance não convencia ninguém.

"Ah, Dona Emma, acho que a senhora confundiu o dia. Hoje, o Sr. Pellegrino tem um compromisso marcado com outra pessoa. A voz parecia preocupada.

"Tá certo, Suzana." Emma sentou-se na cadeira do marido. "Eu vou ser bem sincera com você, tá bom? Eu já sei de tudo."

"A se-senhora sa-sabe?" Suzana soltou a respiração aliviada. "Ah, puxa, que alívio! Eu não gosto de mentiras, a senhora sabe. Eu disse ao Sr. Pellegrino que isso não estava certo, que a senhora ia acabar descobrindo mais cedo ou mais tarde.

"Exatamente." Emma engoliu a raiva que agora já subia pela garganta. "Eu preciso confrontá-lo, Suzana. Você pode me passar o endereço do restaurante, por favor?" Ela pegou um post-it e uma caneta.

"Entendo. Espero que isso não me custe o emprego." Suzana tomou fôlego. "Eles vão se encontrar na Jardim de Seoul, Av. da Liberdade, 2505. Boa sorte."

Emma anotou o endereço no papel minúsculo. "Obrigada, Suzana. Vou precisar mesmo."

Ela desligou o celular e ligou o computador do marido. "Deve ter algo sobre essa Kim em algum lugar." Emma passou a manhã procurando evidências, Facebook, e-mails, Instagram, X, tudo aberto sem proteção alguma, sem nenhuma senha ou atividade suspeita. Então, ela examinou os pertences do marido; bolsos de calças e camisas, gavetas... procurou até nas roupas íntimas. Nada.

Quando Emma pôs tudo de volta no lugar, já eram quinze para uma da tarde. Colocou um vestido florido, uma sandália nude, fez uma maquiagem básica e correu para o endereço do encontro.

Ao pisar no restaurante, ela sentiu um aroma agridoce, levemente grelhado. Passou os olhos sobre os executivos famintos e avistou Tom em uma mesa no fundo. Sozinho.

Tom notou a esposa imediatamente. Seus olhos arregalaram enquanto ele a viu se aproximar. Ele deixou o garfo apoiado no prato com a comida pela metade.

"O que você está fazendo aqui, Emma?"

Ele observou a esposa sentar-se na cadeira à frente.

"Eu sei de tudo, Tom!" Ela encarou-o, a voz áspera como uma lixa. "Onde está essa criatura que dilacera corações?"

Tom piscou, suas sobrancelhas quase se tocando. "No banheiro."

"Eu vou...!" Emma tentou se levantar, mas um par de mãos aflitas a restringiram.

"Não! Você não pode ir até lá! Tá maluca?" O olhar refletia pura perplexidade.

Emma tentou se soltar do marido quando um homem de traços asiáticos se aproximou do casal.

Tom levantou-se e tocou o ombro do homem. "Emma, este é o Dr. Kim!"

"Um homem?" Ele mediu o sujeito de cima a baixo.

Tom franziu a testa. "Por que a surpresa? Isso realmente importa? Quero dizer, que diferença faz ser um homem ou uma mulher? O importante é ser competente, né?" Ele forçou um sorriso.

"E-eu só..." Os olhos encheram de lágrimas. "Eu não estava preparada para isso. Sério, Tom? Este homem?" Ela balançou a cabeça, deixando as lágrimas escorrerem pelo rosto. "Como você pode?"

"Senhora Pellegrino, acalme-se." O coreano encarou-a com um sorriso maroto. "Não se engane pelas aparências. A situação não é tão grave como parece. Seu marido está em boas mãos. Minha equipe e eu faremos o nosso melhor para devolvê-lo novinho em folha para você."

"Amor, Hak-Kun Kim e eu éramos grandes amigos na época da faculdade. Perdemos contato, mas minhas circunstâncias fizeram com que nos reencontrássemos. Ele não é apenas um pesquisador brilhante, com muitos trabalhos focados em intervenções cardíacas, mas também o melhor cirurgião cardiovascular da cidade. Não há nada com o que se preocupar. Eu vou ficar bem."

"Ca-ca-cardiovascular? Então, você não é... você está..." ela apontou para o marido. "E vocês não..." Ela apontou para o médico com a mão trêmula e desmaiou, deslizando lentamente da cadeira para o chão.


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