A garota que não sabia dizer não

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"Ei, Bernardo!" Eu aumentei o tom de voz ao notar que minhas mãos não alcançaram suas costas.

"Esperanza." Ele virou-se no quarto degrau da escada. "Oi!" Acenou.

"Oi." Desci dois degraus e nivelei os olhos com os de ele. "Olha só... vai ter uma reunião esta noite..."

Seus olhos encararam os meus e eu esqueci o que eu ia falar.

"Uma reunião para..." sua voz tirou-me do transe.

"Para comemorar o fim do projeto de modernização dos sistemas administrativos!" Eu pisquei. "Em um karaokê bar no centro da cidade."

"Ah, certo... hmmm..." Ele mordeu os lábios. "Eu sou um péssimo cantor."

"Eu vou!" Nelson passou por nós, prensando-me contra o corrimão. "Prepare-se para um dueto, Esperanza!" Ele piscou e desapareceu escada abaixo.

"Viu?" Bernardo deu-me um sorriso contido. "Você não precisa de mim!" Ele girou o corpo, retomando o seu caminho.

"Preciso sim!" Estendi a mão direita, quase roçando meus dedos em sua nuca.

Como se estivéssemos em câmera lenta, ele virou-se para mim. A boca estava entreaberta.

"Quero dizer, quanto mais gente, melhor, certo?" Um riso nervoso escapou dos meus lábios. "Vamos, vai ser divertido!" Eu cutuquei seu braço esquerdo.

Ele suspirou. "Eu não sei... tenho que viajar amanhã de madrugada."

"De carro?" Inclinei a cabeça para o lado encarando-o.

Ele apertou os olhos. "Ônibus. Devo uma visita a meus pais."

"Bom, nesse caso, não é desculpa." Senti meus lábios curvando para cima. "Você pode dormir no ônibus. Vamos lá, vai! Eu posso te pegar em casa!"

"Tá certo, então, senhorita persuasiva." Ele colocou as mãos nos bolsos.

"Às oito?" O sorriso alcançou meus olhos.

"Combinado!" Havia um brilho em seus olhos, ou talvez fosse apenas um reflexo do meu entusiasmo.

"Perfeito! Até mais!" Corri de volta para o meu setor antes que ele mudasse de ideia.

Tentei trabalhar, mas meus pensamentos vagavam entre opções de roupas e frases espirituosas que eu jamais ousaria usar. A coisa mais produtiva que fiz naquela tarde foi encher a máquina de café com água e atender três telefonemas. Todos eles enganos.



Às oito em ponto, eu estava na porta do Bernardo, de salto alto, maquiagem de noite, com direito a olhos esfumaçados e longos cílios postiços, cabelo caindo em ondas na altura dos ombros e um vestido tubinho quase curto demais que peguei emprestado da minha irmã caçula. Aliás, ela fora a única responsável pelo meu visual audacioso.

Bernardo abriu uma fresta da porta e espiou. "Uau!"

Meus lábios carmim responderam com um sorriso.

"Você é pontual! Me dê só mais cinco minutos!" Ele fechou a porta na minha cara, esmagando meu sorriso.

Andei de um lado para o outro em seu capacho, pisando no caminho de pontos da estampa de Pacman. Os fantasmas já tinham me pegado três vezes quando Bernardo abriu a porta novamente, trazendo uma mochila no ombro esquerdo.

"Desculpe o atraso!" Ele trancou a porta sem olhar para mim. "Você está tão deslumbrante que eu precisei me trocar." Ele dobrou as mangas da camisa jeans enquanto me seguia em direção ao carro.

Amor ÁsperoOnde histórias criam vida. Descubra agora