"Minha decisão é não conceder à senhorita Celeste Martinez a permissão para o aborto. A lei é clara, aborto é crime neste país exceto em três casos: estupro, anencefalia e risco para a mãe. A senhorita Martinez não forneceu provas que a enquadrassem em nenhuma exceção." O homem usou a autoridade da sua toga com toda a pompa.
"Meritíssimo, minha cliente foi estuprada. Ela descreveu o ocorrido em detalhes em seu depoimento." O advogado de terno preto e camisa branca mostrou ao juiz um calhamaço de páginas datilografadas.
"De fato, Sr. Carvalho, isso foi tudo que ela nos forneceu, um depoimento. Nenhum exame de corpo de delito, nenhum suspeito, nenhuma prova. Com todo o respeito, Sr. Carvalho, sua cliente deve aprender a manter as pernas fechadas, isso evitaria todos os problemas. As meninas começam a fazer sexo aos 12 anos, engravidam aos 14 e fazem aborto. Alguns anos depois, engravidam de novo e voltam a abortar! Quantas vidas inocentes vamos perder nesta sociedade permissiva? Isso tem que parar, Sr. Carvalho! A senhorita Martinez deve criar seu filho e aprender a enfrentar as consequências de seus atos". O juiz bateu o martelo e virou as costas para o advogado.
Heitor Carvalho soltou o ar pesadamente. Seus ombros inclinados para a frente carregavam o peso do fracasso. Alheio às pessoas que entravam e saíam da sala, ele lentamente colocou seus papéis de volta na pasta de couro preto já um tanto gasta pelo uso. Seus sapatos escuros pareciam mais pesados, tornando penoso o percusso em direção à porta.
Mãe e filha esperavam em um banco no corredor. Celeste descansava a cabeça no ombro da mãe. Levantaram-se assim que o viram. Apesar das horas de espera, a esperança ainda brilhava límpida em seus olhos.
Heitor apertou os lábios e balançou a cabeça. "Eu sinto muito!"
Celeste deixou-se cair de volta no banco.
Luísa mirou o homem à sua frente. "O que ele disse?"
Heitor manteve os olhos nos sapatos polidos. "Que Celeste deveria aprender a enfrentar as consequências de seus atos. Ele não acredita no depoimento. Não pudemos fornecer nenhuma evidência... ou um suspeito. Sinto muito, Luísa." Lançou-lhe um olhar compassivo.
"O que eles esperavam? Ela estava em choque! Envergonhada! Não contou nem pra mim a princípio! Este processo é tão injusto, Heitor. Passamos por toda essa dor, por toda essa humiliação pra quê?" Luísa balançou a cabeça "Pra no final, sermos taxadas de mentirosas?"
"O que acontece na prática é que quando não podemos oferecer evidências, ficamos nas mãos do juiz." Heitor virou a cabeça ao ouvir o som das portas se abrindo perto deles. "E lá vem ele, o juiz Carlo Menotti, a personificação da lei de Vila do Sol, seguido por seu filho e sucessor, Carlo Menotti Júnior."
Louise avançou na direção do homem e seu séquito, a raiva visível sob suas bochechas avermelhadas.
Heitor segurou-a pelo braço. "Deixa. Não vale a pena!"
"VOCÊ?" Celeste tinha levantado e estava parada na frente do filho do juiz, bloqueando seu caminho. "VOCÊ!" Flashes de memórias dolorosas alternavam-se em sua mente. Aqueles olhos sádicos, negros como um poço sem fundo. Os dedos longos e finos em sua garganta, fazendo-a sufocar. Seu corpo prensado-a contra a parede de um beco sujo atrás da mercearia. O som de roupas rasgando, suas roupas. Frio. Medo. Terror. O cheiro de cerveja. Mãos ásperas tocando o seu corpo. Uma dor lancimente em seu ventre, aguda como mordidas de rato. Rasgando-a por dentro, de novo e de novo, e então todo aquele sangue escorrendo por suas pernas. Ela piscou, tentando afastar as memórias. "VOCÊ... Seu monstro, como pôde fazer isso comigo?" Indignação e ódio cintilavam em seus olhos. "Eu era virgem, eu nem sequer tinha beijado alguém ainda."
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Amor Áspero
Short Story1. Queda livre Às vezes uma simples escolha pode ter nos levar longe demais... 2. Carolaine Ela tinha uma alma de menina, mas só quem tinha olhos sensíveis podia ver... 3. O Homem Perfeito A busca pelo homem ideal pode levar uma vida inteira... 4. I...