Escolhas

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A vovó faria 110 anos hoje. Morro de saudades das histórias dela. Tanto das verdadeiras como das inventadas. Nós duas compartilhávamos o vínculo literário que faltou aos outros descendentes. Quando ela morreu, não houve briga por causa do volume de couro vermelho que ela lia para mim quando criança. 

Hoje eu acaricio as letras douradas da capa, "Fábulas de Esopo": contos curtos como o que escrevo agora.

Sento-me na cadeira de balanço da vovó. Essa foi um pouco mais difícil de conseguir, mas isso é outra história, que não cabe aqui. Deixo o livro repousar aberto sobre o meu colo como a vovó costumava fazer.

"Livros são mágicos." Ouço a voz dela na minha cabeça. "Eles dizem o que você precisa saber. Nem mais nem menos. Contam até segredos quando e se você estiver pronta."

Os segredos da vovó foram enterrados com ela.

Uma gansa e seus preciosos ovos desenhados em nanquim ilustravam a página. 

"Quem tudo quer, tudo perde." A moral dita ao pé da página.

Péssima escolha, trocar uma vida por dinheiro.

Vovó também fez suas escolhas. Nascida em uma família abastada, ela podia ter tudo que quisesse. Tudo, menos amor. Vovô era um pobre coitado sem eira nem beira, como a família costumava rotular. Aquilo era demais para a tradicionalíssima aristocracia da época! Em represália, a família obrigou a vovó a casar com um figurão podre de rico e de alma.

Mas a vovó obedeceu?

Claro que não! Fugiu para se jogar nos braços do pobretão, bem ao estilo Romeu e Julieta. Foi um escândalo. Vovó foi deserdada. Sem um tostão no bolso, o casal recém-casado ganhou o mundo. Feliz igual pinto no lixo.

Quarenta anos depois, os dois tinham construído casa e família. Não eram pobres nem ricos, mas continuavam muito felizes. Só que a vovó já sabia que não podia ter tudo. Ela teve câncer e, no mesmo ano, perdeu o vovô em um acidente de carro. O baque foi grande. Vovô era um cara incrível. Inteligente, engraçado, leve. Ironicamente, o seguro de vida dele pagou o tratamento da vovó e ela venceu o câncer. Morreu de velha, como se dizia antigamente.

"O preço de amar alguém que se foi é ter que viver sem esse alguém", a vovó costumava dizer, "sabendo que ele viverá na memória até o fim". 

O castigo do amor é a saudade.  

Viro a página e vejo um papel dobrado. A caligrafia apressada do vovô adornava um bilhete amarelado pelo tempo:

"Me perdoe, meu amor. Esse é o único jeito. Eu não posso viver sem você e não posso te deixar ir. Você é mais forte que eu, precisa pagar o preço. Para sempre seu, J."

Com o rosto molhado, eu queimo a confissão.

Certas escolhas devem permanecer em segredo.



Eu cresci ouvindo as fábulas de Esopo, mas como não sei se todo leitor e leitora conhece, segue abaixo a fábula citada na minha estória.

A gansa dos ovos de ouro – de Esopo

Era uma vez um homem que teve a sorte de possuir uma gansa que punha um ovo de ouro todos os dias. No entanto, como o processo era demorado e como o homem queria o tesouro todo de uma vez, ele ficou insatisfeito e acabou matando a gansa. Ao abrir a barriga do animal à procura do tesouro, o homem descobriu que ela era igual a qualquer outra gansa.

Moral da estória: "Quem tudo quer, tudo perde."



Por hoje é só pessoal!

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Comentários e sugestões também são super bem-vindos! ✏️

Até a próxima quinta! 😊

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