A ponte do cargueiro Montenegro fora reformulada com a tecnologia marciana de comandos neuroelétricos. Os painéis holográficos mostravam não apenas o status da nave, mas também dados sobre o seu entorno. E as informações expostas pelo computador de bordo não eram nada promissoras:
- Alerta Vermelho! Alerta Vermelho!
- Computador, calcule rota de fuga segura para a Terra! - determinou Rubi, sentando-se na cadeira de piloto com a adrenalina espalhando-se através de todos os vasos sanguíneos do seu corpo.
- Os sensores indicam a proliferação de milhares de criaturas não humanoides emergindo do subsolo do planeta. Nove delas, em rota de colisão com o cargueiro Montenegro. Devemos partir imediatamente para evitar danos no casco à estibordo. Rota de fuga calculada e aguardando comando neuroelétrico de pilotagem.
Rubi pegou o capacete de comando e vestiu em sua cabeça como fizera antes nos simuladores de voo. Ela havia aprendido a comandar naves de caça, com a diferença de que, se algo desse errado, antes, ela poderia encerrar a simulação e voltar para tomar um drink no salão de jogos da colônia. Dessa vez, seria pra valer. Sua primeira e determinante experiência real de comando neuroelétrico de pilotagem de voo de um imenso cargueiro reformatado.
Era sobreviver e fugir, ou morrer e se juntar aos cadáveres marcianos de Genesis.
Assim que encaixou os sensores neuroelétricos na curva do seu crânio, aquela sensação de tontura e expansão mental se apossou de Rubi como acontecera antes. Só que naquele momento, algo diferente teve lugar em sua mente. Era como se, além dos comandos da nave, ela acessasse uma imensa rede coletiva consciente de imagens e propósitos, como um mapa mental interativo em tempo real.
Nada que Rubi já tivesse vivenciado anteriormente. Era uma teia de pensamentos, intenções e informações que vinham de entidades não humanas, concentradas num ponto de origem que se propagava feito um raio divergente.
Era como se houvesse uma abelha rainha de toda a colônia emanando instruções para todos os membros da trama alienígena ao mesmo tempo. Em milésimos de segundo, rubi acessou mentalmente a rede neuroelétrica de comunicação Narmor, sentindo toda a perversidade e intensidade mental de suas vis intenções.
Mesmo sem ouvir palavras, Rubi sentiu emanar do ponto central da rede o plano Narmor de retomar o planeta Terra por meio da escravidão humana. Sua forma artropóide os impedia de executar as tarefas braçais necessárias para a exploração de recursos, porém, a tecnologia de assimilação de DNA havia sido propositalmente orientada e testada em humanos para confirmar a viabilidade do controle social.
Por meio de técnicas de CRISPRs super avançadas, genes ligados a autonomia e a coragem eram micrometricamente removidos, dando lugar a enxertos de sequências de bases nitrogenadas relacionadas à apatia, obediência, resistência física e mental, assim como a servidão inquestionável. O relógio de assimilação total da humanidade fora acionado a partir do momento em que Botsume sobrevivera ao processo. Ele seria o espécime piloto a desencadear a assimilação em massa dos seres humanos a partir do seu conhecimento e da sua experiência.
Ele agora era um vetor indissociável do processo irreversível de escravidão de toda a humanidade.
Um estrondo acordou Rubi de seu transe, percebendo que os Narmors estavam atacando o cargueiro Montenegro, batendo com seus imensos palpos no casco feito marretas gigantes. Em pouco tempo, a imensa aeronave seria destruída e o restante dos sobreviventes mortos de forma violenta ou, pior, seriam assimilados feito escravos destituídos de sua individualidade humana.
- Ataque de criaturas não humanoides em curso. Dano no casco à estibordo em 10%. - comunicou o computador de bordo.
- Precisamos partir agora! - gritou a soldado, na cadeira de co-piloto.
Rubi se concentrou no comando da nave e induziu para que os motores fossem acionados, surtindo efeito algum no ataque Narmor. Ela mentalizou a subida da nave, fazendo com que um enxame de alienígenas fosse erguido do solo, pendurados por seus pedipalpos agarrados ao casco do cargueiro como monstruosos carangueijos.
Com perícia e concentração, Rubi guiou o Montenegro para fora do espaçoporto, afastando-se da colônia Genesis e trazendo aos poucos sobreviventes marcianos um pouco de esperança, por não saberem do destino irremediável que ainda estava por vir. Aos poucos, afastaram-se do planeta vermelho, derrubando de uma altura mortal os últimos Narmors que insistiam em agarrar-se na parte externa da nave.
Ao longe, os passageiros observaram a paisagem desolada de Genesis em meio ao deserto, coberta de fumaça e tomada pela morte. O sonho de uma vida próspera na colônia marciana havia chegado ao fim.
O fogo ardeu na colônia Genesis até o último metro cúbico de Oxigênio. Escombros despencaram por toda a parte, deixando a estrutura em ruínas.
Da altitude em que estavam, ainda era possível avistar milhares de monstros gigantescos de múltiplas pernas saindo dos escombros e formando figuras geométricas como se quisessem comunicar algo.Por meio dos comandos neuroelétricos da nave, Rubi sabia o que aquilo significava:
"Narmors Voltaram."
"Humanidade em assimilação."
Rubi comandou a propulsão da nave em direção ao planeta Terra, o que num primeiro momento, configurou um imenso alívio. Entretanto, trazia angústia sobre o destino aterrorizante que a esperava num futuro não muito distante.
Pôs a mão sobre a barriga, lembrando-se de sua pequena semente. Teria sido em vão todo o esforço para sobreviver e salvar o seu filho para ser feito escravo de uma espécie alienígena invasora e implacável?
Muitos pensamentos assolaram a sua mente, cansada e mergulhada no mundo metafísico da neuroeletricidade.
Ela removeu o capacete e colocou o cargueiro em módulo automático de cruzeiro. Demoraria duas semanas para chegarem à Terra, e sabia que seria seu último tempo de descanso antes de sua nova missão começar. Rubi levaria os dados de Murdock para o governo terrestre e, com sua experiência, seria voluntária para a preparação dos humanos na resistência contra a assimilação Narmor.
***
A viagem à Terra foi tranquila e sem intercorrências. O conforto trazido pela reforma no cargueiro e novos recursos apresentados pelo Montenegro trouxe uma falsa segurança aos poucos sobreviventes. Sua chegada no berço da humanidade era um alívio da morte iminente, além disso, o princípio de uma fase turbulenta e perigosa para todo e qualquer ser humano.
Rubi trouxe de volta os sobreviventes da colônia Genesis, como também, o drive com todas as informações sobre as tecnologias alienígenas partilhadas pelos Narmors. O novo líder da Aliança Terrestre-Lunar a recebeu com honras militares e abrigou Rubi nos melhores alojamentos dando toda a assistência médica e conforto para sua concepção.
Os meses se passaram como dias naqueles tempos conturbados, e Rubi deu à luz uma menina.
Após o nascimento de sua filha, Kumani - que significa Destino na língua da África Ocidental, terra de origem de Botsume - uma grande guerra teve início com a invasão narmor.
Rubi treinou muitos soldados na pilotagem de caças, dando origem a uma linhagem de mulheres e homens guerreiros, salvando vidas e permitindo a fuga de 1500 pessoas livres para o planeta Perséfone. Kumani se tornou uma grande líder da resistência e sua neta, Dax, voltou à Terra 100 anos depois para salvar os últimos humanos ainda não assimilados.
A humanidade, com seus milhares de anos de história de conflitos armados entre seu próprio povo e modos de vida repletos de devastação ambiental e ódio racial, percebeu que tamanha degradação os enfraqueceu. A escolha pela riqueza econômica e pelo poder territorial deu espaço não apenas para o declínio vital da Natureza, como também, para a verdadeira aniquilação: a perda da liberdade de ser humano.
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GENESIS
Science FictionNo século XXIII, os humanos já haviam colonizado a Lua e o planeta Marte. Porém, as consequências da IV Grande Guerra haviam mudado a Ordem Interplanetária, transferindo o poder dos governos falidos para as grandes corporações privadas. Em contraste...