A tropa de segurança arrastou Rubi até a cápsula de despressurização mais próxima e jogou-a lá dentro. Twin a olhou de cima diante da abertura, como que para afirmar sua superioridade e seu poder de influência contra seus traidores.
Ainda em vertigem, ela tentou se levantar e dirigiu-se cambaleante diante dele. Antes que alcançasse a passagem, a porta automática de aço marciano se fechou logo à sua frente.
Inutilmente, deu dois socos no metal hermético, gritando xingamentos que eram inaudíveis do outro lado, no corredor. Twin continuava observando de um pequeno monitor ao lado da porta, se deliciando com o desespero de sua vítima.
Ela não queria morrer daquele jeito. Ser exposta à atmosfera rarefeita de Marte, com baixa pressão, a sufocaria ao mesmo tempo em que suas órbitas saltariam de seu rosto. A perspectiva da morte iminente a deixou em total estado de alerta.
Uma voz de IA feminina anunciou no painel de comunicação interno:
- A câmara de despressurização se abrirá em exatamente um minuto.
Rubi virou-se para o lado de dentro da câmara. Correndo os olhos para cada canto de seu confinamento, percebeu uma espécie de nicho com roupas espaciais penduradas na lateral da cabine. Com pressa, pegou a menor que encontrou e começou a vestí-la, antes que o outro lado da cápsula se abrisse para o exterior.
A voz de Twin soou pelo comunicador:
- É satisfatório ver seu desespero pela vida. É como um pequeno animal indefeso numa gaiola, na tentativa inútil de se desvensilhar do abate! Entretanto, lamento informar que o traje espacial disponível na cabine contém apenas um cilindro com uma hora de oxigênio. Tempo insuficiente para encontrar o esconderijo de seus amigos rebeldes, sua puta traidora! - e terminou a fala com aquele risinho cretino.
Neste sentido, Twin Landor tinha razão. A entrada mais próxima do abrigo dos exilados ficava a 30km da colônia. Jamais chegaria a tempo com vida. Aquele, definitivamente, seria o seu fim.
Por instinto de sobrevivência, preferiu concluir a vestimenta do traje espacial antes da porta externa se abrir. Foi uma questão de poucos segundos até que a IA anunciasse:
- A câmara de despressurização se abrirá em cinco segundos... quatro, três, dois, um.
As travas se desvencilharam e a porta de aço marciano se abriu, revelando a atmosfera rarefeita e o solo acidentado do planeta vermelho. O sol estava no meio da tarde, restando ainda algumas horas de luz. Porém, o cilindro que carregava em suas costas só oferecia uma hora de oxigênio.
Rubi tinha exatamente uma hora para descobrir uma maneira de sobreviver. Ou morrer tentando, sufocada pelo próprio gás carbônico.
Sem olhar para trás, ela seguiu para fora da colônia, estranhando a gravidade marciana, ligeiramente menor que a da Terra. Dentro das dependências de Genesis, um sistema tecnológico bastante avançado e eficiente simulava as condições gravitacionais e atmosféricas terrenas. Do lado de fora, era necessário um tempo para se aclimatar à mudança.
Rubi estava fraca e enjoada, com as pernas bambas e os braços pesados. Mesmo assim, ela focava sempre em frente na esperança de encontrar um lugar ou alguém naquela imensidão escarlate.
Desistir não era uma opção. Ela preferia morrer tentando do que se entregar ao conformismo, ao fracasso da desistência. Mil coisas se passaram pela sua cabeça, como um filme psicanalítico:
"E se eu tivesse mandado Botsume à merda e ido embora logo que chegamos à colônia?"
Todas as imagens marcantes de seus encontros intensos e fugases com Botsume relampejaram em sua memória, num sentimento ardente sem nenhum arrependimento. Mas logo entristeceu ao perceber-se na mortal situação de exílio fatal, enquanto o pai de seu filho seria cobaia de uma experiência genética perversa.
"E se eu tivesse cedido às investidas de Sand Landor naquele banquete escroto?"
Rubi se lembrou da careca reluzente de Sand Landor e suas roupas extravagantes e esvoaçantes. Sentiu repulsa ao lembrar-se de suas cantadas e do modo como se entretia com a esposa de seu subalterno. Rubi preferia a morte com Botsume do que uma vida engaiolada em Genesis sendo boneca dos Landors.
"E meu filho? Esta criança a quem nem me dei a liberdade de sentir dentro de mim..."
Uma lágrima escorreu pela face por dentro do capacete. Pensou se tudo fosse diferente e tivesse a chance de ter essa criança, de dar um nome pra ela. De poder viver de novo, de verdade.
O tempo do lado de fora era estranho, diferente. Talvez dada as circunstâncias, Rubi estivesse num estado semi desperto. Lutava contra a exaustão e a hipoglicemia, mais arrastando-se com suas pernas do que caminhando como um primata ereto.
Um aviso digital apareceu no visor, ao mesmo tempo que uma voz sintética anunciou:
- Você tem 30 minutos de Oxigênio.
A mente de Rubi ficou mais desperta. Suas pupilas dilataram e sua aceleração aumentou, subindo a frequência de seus batimentos cardíacos.
"Merda!" Pensou. "Assim o oxigênio acaba mais rápido!"
Tentou se acalmar. Pausou sua marcha através do deserto vermelho, respirando fundo para reduzir o ritmo metabólico. Lentamente, os pulmões se encheram e esvaziaram, reduzindo a aceleração cardíaca a ponto de ter esperança de encontrar algum lugar seguro.
-Você tem10 minutos de oxigênio.
Rubi riu, enquanto já cambaleava com dificuldade seguindo cada vez mais para dentro daquela imensidão rochosa e tediante. O calor refletido no solo provocava distorções na visão já embriagada, confundindo o raciocínio e a reflexão.
A fraqueza a fez cair de joelhos. Respirou ofegante, sentindo o oxigênio escassear. Seu coração queria disparar em pânico, mas a mente insistia em seguir em frente.
"Eu não vou morrer!"
A vontade de viver ecoou na sua cabeça feito um mantra. Um pensamento guia, que aponta a direção da consciência em meio à escuridão cega da desesperança. Ela queria se agarrar à vida, com suas últimas forças.
"Filho..."
A imagem de uma criança em seu primeiro momento de vida surgiu na sua mente. Era como se estivesse vivendo este momento futuro no aqui e agora. Este sentimento transtemporal foi o que a motivou a manter sua cabeça erguida apesar de toda a adversidade e derrota.
Rubi tentou levantar mais uma vez sobre seus próprios pés. Conseguiu reagir alguns passos até cair de frente, rachando o visor do seu capacete. Seus olhos em vertigem mal se abriam diante da apoteose de sua própria morte. Como chegara naquele ponto?
Aos poucos, a consciência ia abandonando o seu ser. A boca, ainda por reflexo, inspirava o ar escaço viciado de gás carbônico, aumentando ainda mais sua intoxicação. Os pulmões inspiravam inutilmente o dióxido de carbono, na ância de manter-se viva. A agonia do sufocamento transparecia em seus olhos vermelhos.
Num último relance de olhar, rubi pensou ter avistado algo se movendo rapidamente sobre a areia vermelha do deserto. Aquilo corria como que deslizando sobre o solo, jogando a areia fina enquanto passava.
Era um veículo. E estava vindo na sua direção.
---------------------------------------
Será este o fim de Rubi?
Quem se aproxima de seu iminente fim?
Como estou com muitas demandas em meu trabalho e com meus afazeres familiares e domésticos, tenho publicado novos capítulos num espaço de tempo bem maior do que eu gostaria. Porém, o importante é continuar escrevendo! ;-)
Agradeço a todos que continuam sua leitura. A história chegou em sua metade, agora rumando para seu desfecho!
VOCÊ ESTÁ LENDO
GENESIS
Science FictionNo século XXIII, os humanos já haviam colonizado a Lua e o planeta Marte. Porém, as consequências da IV Grande Guerra haviam mudado a Ordem Interplanetária, transferindo o poder dos governos falidos para as grandes corporações privadas. Em contraste...