Ela não resistiu. Ela me deixou cedo. Me deixou cheia de promessas que não serão cumpridas. Me deixou sem companheira, sem a minha razão de tudo. Me deixou pela metade, em pedaços. Me deixou incompleta. É engraçado como quando esse risco de perder alguém nos faz sentir mais e melhor as coisas. Nos faz ser mais sonhadores e talvez nos faz entender melhor os sentimentos que temos dentro de nós. Nos faz perceber o quanto essa pessoa vale pra nós. E aí parece que tudo o que fizemos parece ter sido tão pouco, tão insuficiente...
E quando a ficha cai que você não terá mais a oportunidade de fazer mais nada com essa pessoa, outro pedaço se quebra dentro do coração. Saber que eu poderei falar "eu te amo", mas não poderei ouvi-la dizer que me ama também... Nem se fala.
Mesmo sabendo que o estado dela era muito grave e delicado, a gente nunca acredita que não vai dar certo. E bom, isso serve pra vermos quem são os verdadeiros amigos da gente e eu pude perceber que ela tinha muitos e eu também. Ela era uma pessoa agregadora, gostava de juntar gente em festas e celebrar a vida. Ela tinha gente que gostava dela e agora estavam todos aqui, fazendo correntes de oração, espalhando a admiração por ela em pensamentos, palavras, tweets.
É ruim e doloroso. Ninguém acha que vai morrer cedo. Tem tantas coisas a se fazer nessa vida e vai aproveitar tão pouco? Parece injusto. A ordem natural das coisas é que os filhos percam os país e não o contrário. A mãe dela estava devastada, principalmente porque se não fosse por ela, Hai não trabalharia naquela empresa, não viajaria e portanto, não aconteceria um acidente desse, nessas condições, pelo menos. Mas como consigo tirar a dor dessa mãe que acha que tem culpa e não tem? Hai adorava trabalhar! Era visível o orgulho dela de estar ali, representar a empresa e aprender cada dia mais. Ela queria estar em todos os lugares. Culpa é o que eu estou sentindo, por mim.
Já pararam pra pensar que o "se eu não..." é muito cruel? Se eu não tivesse me atrasado com a Sofia no médico, teria ido lá me despedir dela, teria dado o beijo que me sobrou nos lábios, teria marcado seu corpo no meu moletom, teria despenteado meu cabelo, teria me sujado de batom. Agora é fácil culpar tudo... Posso culpar o meu colega francês por ter vindo estudar no Brasil sem atender um "a" de português, culpar o médico da Sofia, culpar a saúde do país, o juiz quando deu o cartão vermelho pro Thiago Silva. Fica fácil culpar... Mas ela não vai voltar.
O enterro é sempre um adeus obrigatório e inexplicável. Enquanto você ainda tem a presença do corpo da pessoa, parece que as coisas não aconteceram, que dentro de pouco a pessoa vai abrir os olhos e vai dizer que foi falar com alguém no outro plano e voltou pra esse porque ainda não era a hora ou porque simplesmente tava chato lá do outro lado. A Hai diria que tinha uma razão com nome e sobrenome pra ficar aqui. Aí você inconscientemente pensa em fazer cócegas, pegar na mão daquele jeito que ela gostava ou morder aquela parte da orelha que a deixava louca pra provar pra todo mundo que ela só precisava de um estímulo pra voltar. Mas não volta.
O ruim, ruim mesmo, é saber que ela morreu... e infelizmente não foi de amor.
Dinah e Ally não saíram do meu lado nem um minuto. Devo toda a força que tive naquele momento a elas. Elas abraçaram todas as minhas lágrimas, toda aquela falta de energia que me consumia a todas as horas. Se sentaram comigo junto a grama cheia de flores espalhadas à Hai. Nada fazia parar aquela dor.
A semana de provas foi suspensa porque os alunos não tinham condições de realizá-las. Eu não fui mais a aula depois disso. Me parecia inconcebível chegar naquele prédio e não esperá-la no mesmo lugar para me abraçar e dar beijo de bom dia.
Preferi não colocar nas redes sociais pra que esse povo hipócrita não fique falando que agora virou fã e que vai comprar todos os cds. Acho que é melhor deixar as coisas dela como estavam. As vezes eu ia até a casa da Hai. Em últimos casos, quando a saudade apertava demais. Eu subia até aquele quarto, com os posteres dela, as nossas fotos no mural, as coisas dela, o cheiro dela... Eu me deitava na cama dela, deixava o quarto escuro, só o abajur ligado, do jeito que nós gostávamos de ficar. Deitadinhas com as pernas entrelaçadas, conversando, namorando, sonhando...
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Serendipity
Teen Fiction"A lei é a razão livre da paixão", já diria Aristóteles. Não faço ideia do que isso interfere na minha vida, mas vi em Legalmente Loira e achei melhor guardar pra se caso um dia eu venha a precisar. Fiquei pensando muito tempo em um resumo da minha...