Será que ela é?

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“Oi, Mila! Preparada para comer a minha panqueca à bolonhesa, que modéstia a parte é a melhor que você vai comer na sua vida inteira?”

“Vou até molhar você quando chegarmos na sua casa… Porque devemos cultivar as amizades que sabem cozinhar, principalmente aquelas que cozinham o que gostamos muito de comer e, melhor ainda, tem piscina em casa”

“Que engraçadinha… Não vou te oferecer água quando chegarmos”

“Guaraná tá ótimo! Mas sabe que uma amiga minha da época do colégio, cada vez que ia na minha casa me perguntava ‘Mila, tem água?’. Eu achava que por que ser cubana ela de repente poderia achar que lá em Cuba falta água e a gente, sei lá, sobrevive a base de Mojito’s ou pior, cuba libre”

“E não vive?” Hailee me perguntou divertida.

O resto do caminho, andamos caladas. Eu percebia que ela me olhava algumas vezes, mas não dizia nada. Eu também não disse. Na realidade eu não conseguia pensar em nada além do que a Dinah tinha me dito. Por isso o Nelson Rubens não sai da TV. Todo mundo adora uma fofoca e super acredita que é verdade, tanto que volta no mesmo canal todo dia pra que alguém confirme que é verdade. Nesse momento eu tô esperando que a pessoa confirme e o que é pior, não sei se prefiro que ela diga que beija moças ou que é apenas um boato e que ela beija rapazes muito machos e que ela gosta mesmo é de pe...gar héteros. É normal, mas… não sei, é diferente e o que é pior, eu não sei porque.

Chegamos à casa dela e ela me mandou para o lavabo lavar minhas mãos para comer. MÃE, EU JÁ SEI DISSO. Me sentei na mesa, que já estava toda arrumada, e a esperei. Minutos depois uma bela travessa cheia de panquecas ao molho à bolonhesa salpicadas com queijo parmesão sem ser o de saquinho estava na minha frente, com aquela fumacinha saindo e com um cheiro maravilhoso.

“Foi você que fez, mesmo?”

“Está duvidando dos meus dotes culinários, dona Camila?”

“Não. Só duvidando das minhas dúvidas” Ela riu. Mais um momento de silêncio enquanto nos servíamos até que ela resolve perguntar o que eu tanto temia naquele momento.

“Mila, aconteceu alguma coisa? Você tá estranha. Tá tudo bem?” Conto ou não conto? Estou me sentindo uma fonte do Nelson Rubens nesse momento. A que ponto cheguei na vida… Pelo menos tenho a certeza de que o mundo não perdeu uma jornalista. Eu aumento, mas não invento. Ain gente, como falar isso pra ela? ‘Bom, amiga, tô sabendo por fontes próximas, ligadas ao departamento olfativo da Casa Branca, responsável por sentir cheiro de couro, que você beija garotas e trabalha de costureira colando velcro nas meninas. Procede?’  

“Hai, não quero ser fofoqueira nem nada do tipo… Mas me contaram uma coisa sobre você que eu não sabia. Não que eu ache algo ruim, muito pelo contrário até. É que você não me contou e como me falaram, aí não sei… não sei se você não queria me contar ou se era pra ser um segredo ou outro motivo. Sei que é um assunto difícil...”

“O que você está querendo dizer?”

“Que me falaram que você não é hétero…”

“Eu sou hétero… não praticante” A olhei com cara confusa e senti pelo menos dois parafusos se desparafusarem dentro da minha cabeça. “Mila! Tá tudo bem. Não há problema algum em você ter descoberto isso. Até porque eu nunca escondi isso de ninguém, mas fiquei com receio de te contar com medo de como você me trataria depois de saber disso. Sabe, não é muito fácil”

“Eu não vou deixar de ficar perto de você, te tratar como te trato e nada do tipo” Ela me olhou sorrindo e eu a olhei aliviada, ainda confusa.

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