Serendipity

Qual é o problema?

"E a sua família, tá bem?"

"Todos ótimos, graças a Deus" sorri enquanto ela anotava rapidamente o que eu dizia. Bom, isso era o que eu achava... Vai que ela tá fazendo uma caricatura ou brincando de jogo da velha com ela mesma.

"E o que te trouxe até aqui?"

"Na realidade, Dinah e Ally me trouxeram até aqui... São duas grandes amigas minhas que estão preocupadas comigo porque ainda não consegui seguir em frente depois da... morte da minha namorada" Disse respirando fundo por ter de explicar isso mais uma vez.

"Entendi. E elas acham que assim você vai conseguir se reerguer. E você, também acha isso, Camila?" Ela me olhou até de um jeito meio desafiador, mas não soube dizer ao certo se essa era a intenção ou se ela realmente estava querendo me desafiar. Não sei se isso é coisa de psicólogo também. Ou vai ver estou numa dessas pegadinhas do Faustão ou do Silvio Santos. Vai ver a psicóloga é um fantasma...

"Na realidade eu não sei o que esperar dessa consulta. Eu vim porque elas marcaram e disseram que isso poderia me ajudar. Eu estaria vendo a reprise do Mais Você se eu estivesse em casa agora, mas me mandaram pra cá. Quase me trouxeram de mãos dadas pra que eu não desistisse" ela deu uma risadinha que fez com que ela mostrasse seus dentes e cerrasse seus olhos lentamente.

"E há quanto tempo sua namorada faleceu?"

"Há seis meses..."

"Você já podia esperar por isso ou foi algo inesperado?"

"Ela sofreu um acidente de carro... Ficou por volta de cinco dias no hospital, até não resistir aos ferimentos. Acho que ninguém espera que um dia a pessoa que você ama vai partir desse mundo, principalmente alguém como ela que amava viver, aproveitava a vida, era ativa, adorava criar coisas, aprender... Levaram ela cedo demais. Não foi justo" eu disse com lágrimas nos olhos. Apesar de ter a consciência de tudo isso, é difícil admitir e deixar que a ficha caia.

"Ela foi sua primeira namorada?"

"Foi" eu ri envergonhada. "A primeira mulher com quem eu fiquei e minha primeira namorada"

"Você sempre soube que te atraem as mulheres?"

"Não... Hahaha, se ela não tivesse me instigado e me convencido, talvez eu nunca teria provado ou percebido o fato de que as mulheres são fascinantes... Olha, me arriscaria dizer que até bem mais que os homens. Acho que sou gay mesmo..." Eu ri de mim. Quem iria dizer que eu falaria isso algum dia, né? Olha, não que isso seja um estado de espírito, mas quem gosta das duas coisas, pode muito bem estar mais propensa a querer um sexo específico em um espaço de tempo. As vezes eu gosto mais do pirulito de cereja do que maçã verde. As vezes o contrário. Ninguém nunca foi contra isso, nunca ninguém achou estranho. Bom, pensando bem, eu iria achar estranho se eu me ouvisse fazendo essa referência justamente com pirulitos. Poderia ter mencionado as bisnaquinhas Sete Guris ou até dizer que as vezes gosto mais da Anitta do que da Valesca e gente, as vezes eu gosto mais do Evaristo do que da Sandra, as vezes o contrário. Mas como já diria Sandy, "Quem escolheu fui eu, mas tenho que aceitar. Você no meu lugar faria exatamente igual".

Moral da história? O que é imortal não morre no final. Filosofia de vida.

Sobre ela? Ela deu outra risadinha assim que eu comecei a rir.

"E como você lidou com isso? Achou esquisito?"

"Achei esquisito não ter tido essa ideia antes. Acho que estou parecendo a Daniela Mercury. Foi só ela se assumir com a mulher que a sensação que todo mundo tem é que ela ficou trancada no armário e que alguém conseguiu tirar fotos de dentro dele. Aí ela sai como se nada tivesse acontecido e cantando 'A gay dessa cidade sou eeeeeeeeu'. Mas tudo bem, foi melhor pra ela" ela começou a rir. A terapia tá sendo pra quem mesmo?