Ela é o que?

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Eu fingi que iria morder seu dedo e sem querer, ou não, mordi mesmo, sentindo ele deslizar pelos meus dentes em seguida. Olhei pra ela com uma expressão confusa. O que se faz num momento desse? Peço desculpas ou digo que o dedo dela tem sabor de leite condensado?

"Ahá! Viu? É perigoso..." Ela olhava pra minha boca em câmera lenta e demorou a tirar seu dedo de perto de mim.

"É sim... Mas nem doeu, vai. Você é inofensiva, Mila" ela riu e eu me fiz de ofendida. Como assim eu sou inofensiva? Tá certo que eu não sou nenhuma erva venenosa, como já diria a rainha Rita Lee, mas também não sou inofensiva.

"Te dou um minuto para retirar o que disse a partir de agora" falei fazendo bico. Ela riu ainda mais, se encostando no encosto da cadeira, de braços cruzados.

"Você não fará nada comigo" ela disse em voz baixa enquanto se aproximava mais de mim. Tremi, confesso, fiquei nervosa com a aproximação, mas sabe o que eu fiz? Me aproximei mais dela. Se ela queria me intimidar, eu não iria fugir. Ou tentar fugir.

"Por que você tem tanta certeza assim?" Eu disse no mesmo tom que ela. Nos olhávamos no olho e isso tava ficando bem divertido ou perigoso.

"Porque eu te trouxe pra comer torta..."

"Tava uma delícia, por sinal"

"Viu? Você está me devendo uma. Obrigada, de nada, Mila"

"Saiba que estou começando minhas aulas agora, portanto é um perigo pra você que eu faça seus trabalhos"

"Eu não quero que você faça meus trabalhos, fica tranquila, mas… não é uma má ideia. Você chegou até aqui, má aluna não é"

"Oh okay. Ainda acho uma péssima ideia. Mas com o que devo ficar nervosa?"

"Calma, quando chegar a hora eu te conto" ela disse sorrindo como se tivesse acabado de conquistar uma medalha de ouro. Mordi meu lábio inferior e ela continuou sorrindo. Eu tenho medo dessas pessoas, principalmente quando elas aparentam ter muito menos do que aparentam. Vocês já viram aqueles filmes tipo A Órfã e Caso 39? Crianças do mal também existem. Vai que ela queira me trancar no forno e fazer a bolacha Maria versão cubana “Bolacha Mila”. Ou biscoito. Ou bolacha. Eu fico agoniada quando as palavras significam a mesma coisa e as pessoas daqui insistem em brigar achando que a certa é uma ou que uma é rosa e a outra não, que tem recheio ou não, que tem uma embaixo e outra em cima ou não e o que é pior… se for importado tem outro nome. Que moral eu tenho pra falar isso se me chamo Karla Camila? Pode chamar de Karla, pode chamar de Camila, dá tudo na mesma e eu atendo igualmente. Façam isso com o pobre biscoito e bolacha ou criem o biscoitolacha. É melhor pra todo mundo.  

Bom, voltando à Hailee, o problema seria quando ela resolver cobrar essa dívida, mas sim o que será que ela iria querer de mim? Não sei dirigir, sei cozinhar, mas sem frescura, lavar e passar eu sei também, minha mãe já disse que posso casar… com TODAS essas minhas habilidades, dá pra ver que a única coisa que ela pode fazer de mim é ser uma escravinha. Consegui ouvir de longe o Lerê lerê. Falando nisso, vocês percebem o quão machista é essa expressão? Já sei fazer serviços domésticos e já posso casar? Não nasci pra ser dona de casa não.

Ai ai, se eu soubesse no que isso resultaria teria ficado… mmm, teria ficado mais nervosa.  

Voltei pra casa mais tranquila naquele dia. Foi bom ter passado aquele tempinho com ela, porque ela justamente não é daquelas pessoas que te vêem irritada por causa da tpm e fica de mimimi dizendo que está com medo de que eu mate alguém, que me diga que eu estou irritada (porque eu sei que eu estou, não precisa ficar lembrando) e que quando isso passe, me pergunte "Sua tpm já passou? Já tá mais calma agora?". A chance de que tudo volte é de 96,3%. Fora que a companhia dela é extremamente agradável. Eu fico com vontade de abraçá-la o tempo todo. Não sei se isso é normal... Eu nunca me senti assim antes.

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