Depois da cirurgia, pareceu que tudo daria certo. Até que tudo começou a dar errado.
O procedimento tinha durado seis agonizantes horas, e, como o médico tinha dito, aquele estava sendo um "caso complexo". Mas Sofia tinha saído viva da sala de cirurgia, e, para Edu, isso só podia ser um sinal de que ela ficaria bem.
E então ele esperou, e esperou mais, e se entupiu com o café da máquina que ficava na recepção e que saía meio morno, e, apesar das ligações preocupadas de sua mãe implorando que ele fosse para casa, Edu se recusava a sair dali. Ao menos enquanto não pudesse vê-la. Depois de um tempo, permitiram que os pais dela entrassem na UTI, e eles saíram de lá devastados. A mãe soluçava.
E então Edu soube que algo tinha dado errado. Complicações pós-cirúrgicas em casos como o dela infelizmente eram muito frequentes, o médico tinha explicado.
Algumas horas depois, veio a notícia, a notícia que atormentava Edu em seus pesadelos desde o momento em que Sofia tinha entrado na vida dele.
Ele não poderia mais ouvir as citações que Sofia adorava recitar, ou rever aqueles olhos brilhantes, nem escutar o som delicioso da risada dela. Era como se ele tivesse perdido a melhor parte do universo, e a perda era tão grande que ficava difícil até de respirar.
Quando, em casa, Edu se trancou no quarto, ele sentiu que precisava se agarrar a alguma coisa - qualquer coisa -, ou então simplesmente desmoronaria.
Ele percorreu seu guarda-roupa alucinadamente, atrás de todas as fotos, cartas e presentes que recebera de Sofia. Qualquer coisa que ela já tivesse tocado, qualquer coisa que tivesse sido parte da vida dela, um dia.
Na última gaveta no armário, ele encontrou o presente que nunca tivera ânimo de abrir. Ele segurou o livro, sem mover um músculo, enquanto suas lágrimas molhavam aquela capa preta. Edu se sentou no chão, num canto do quarto. Sofia confiava no Deus daquele livro, e em todas aquelas coisas que não faziam sentido, mas, com sentido ou não, Edu precisava de ajuda. Aquela dor era tão esmagadora que só um ser sobrenatural, superpoderoso e infinito poderia fazer alguma coisa.
Havia algo de humilhante em abrir aquele livro. Era como se ele tivesse sido rebaixado a ter que considerar a hipótese improvável de que o Deus de Sofia era real. E, se fosse, parecia que esse Deus tinha arrancado de Edu o que ele mais amava, só para vê-lo no desespero de ter que recorrer a Ele.
Mas aquele livro preto de trocentas páginas era o presente de Sofia, e ele prometera a ela que iria abri-lo um dia, e aquele era o momento.
Ao folhear as páginas finas de cor branca e passar os olhos pelas letras miúdas do livro, Edu viu rabiscos de Sofia nas margens das folhas - dezenas e dezenas de frases, observações, piadas, pensamentos, explicações chatas sobre passagens bíblicas, até alguns desenhos mal feitos.
Sofia tinha escrito tudo aquilo para Edu, para explicar para ele o sentido das narrativas confusas daquele livro, para contar para ele seus pensamentos profundos e expressar coisas que ela não comentaria com mais ninguém.
Era o jeito dela de fazê-lo ler, de fazê-lo prestar atenção, e tinha funcionado. O coração dela estava em cada palavra que ela escrevera com canetas de cores diferentes, ao longo de sabe-se lá quanto tempo.
Ela tinha passado tanto tempo fazendo aquilo. Meses, anos.
Sofia o amava. Caramba, ela o amou tanto, e lembrar disso preencheu todo o ar em volta e ajudou Edu a respirar novamente.
"Mesmo em todos os meus piores momentos", escreveu Sofia, com caneta azul, na margem da página do Salmo 42, "eu sempre sinto uma paz incompreensível. Eu não entendo isso, porque parece que o normal seria sentir pânico, e não paz. Mas, mesmo que tudo esteja desmoronando, de alguma forma eu sei que estou segura e sei que tenho o que eu preciso. Eu sinto Deus preenchendo tudo o que me falta e me sinto satisfeita, completa por dentro, mesmo que eu esteja morrendo e tudo mais. Essa é a paz que eu desejo pra você, Edu".
***
O enterro não tinha sido nada do que ele esperava. Como alguém poderia lidar com a ideia de que Sofia, com seus sorrisos e frases feitas e olhar brilhante... Como alguém poderia entender que ela não existia mais?
Mas, no enterro dela, em vez de gritaria e desespero, havia esse sentimento de calma, de paz, mesmo em meio a uma tristeza desnorteante. Havia canções sobre esperança e abraços consoladores.
A dor não era capaz de destruir todas as coisas boas que Sofia tinha construído. Edu teve tanto medo do que aconteceria se a perdesse, para depois descobrir que a dor não tinha tanto poder assim. Não podia tirá-la dele. Ela tinha ensinado Edu a amar, a pensar sobre as coisas que são realmente importantes, a observar a beleza secreta existente em praticamente tudo, a admirar a ordem misteriosa da natureza em meio ao caos. Ela tinha colocado Edu em um balão para que ele pudesse ver o mundo, e agora ele queria descobri-lo. Queria entender aqueles mistérios, queria explorar o que desconhecia.
O presente que Sofia deixou foi consumido palavra por palavra, constantemente e lentamente. Eram muitas páginas para ler e incontáveis frases que ela lhe escrevera com sua caligrafia redonda e irregular.
A cada página, ele se sentia mais próximo de acreditar no Deus de Sofia. Porque, caramba, quais eram as chances? Entre mais de sete bilhões de pessoas, eles tinham se encontrado, e amado um ao outro, e admirado juntos a natureza em sua perfeição chocante, e experimentado a capacidade estranha dos seres humanos de acreditar e de duvidar, de rir e de chorar, de esperar por um futuro melhor.
E ele acreditava agora, porque devia haver algum sentido para isso tudo. Tinha que haver. Edu sabia que a veria de novo, e que as mãos deles voltariam a se unir, um dia.
E era por isso que ele não conseguia parar de pensar na última frase que Sofia lhe dissera. Ele não tinha acreditado nela, no passado, mas agora confiava naquelas palavras.
Horas depois de concluído o transplante, depois que as complicações pós-cirúrgicas começaram e quando estava tudo desmoronando, Edu implorou que o deixassem ver Sofia na UTI. A regra era a de que apenas os pais poderiam vê-la, mas abriram uma exceção. Edu recebeu um prazo de três minutos.
O tempo escorreu de forma dolorosa, e ele acariciou o cabelo de Sofia como se nunca mais pudesse fazer isso de novo, até um enfermeiro informar que o tempo tinha acabado e ordenar que Edu fosse embora.
- Eu não quero ir, Sofia - ele disse, suplicante. - Quero ficar aqui com você. Por favor, tem que ter um jeito, eu preciso ficar com você.
As palavras finais de Sofia, com sua voz suave, dizendo algo que Edu já escutara antes, ficariam gravadas para sempre dentro dele.
- Tá tudo bem, Edu. Eu prometo que a gente vai se ver de novo. Temos uma eternidade pela frente.
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Sobre o fim
Teen FictionEduardo tem vários medos, mas nenhum se compara ao pânico de perder sua namorada, Sofia, que enfrenta uma doença em estágio terminal. Entre o medo e a coragem, a beleza e o caos, o fim e o início vão se entrelaçando ao longo da história de amor vivi...