O quarto de Sofia estava movimentado demais. No início, quando todo o problema de saúde começou, era daquele jeito. Os parentes e amigos dela enchiam a sala de espera, faziam fila para visitá-la no quarto. Depois de um tempo, eles meio que se cansaram. Ela era internada com uma frequência absurda, e as pessoas preferiam mandar recados pelo celular a ir até o hospital.
Mas, naquela manhã, só o que havia era parentes e amigos — o pessoal da igreja dela, e até uns colegas da escola — entrando e saindo do quarto, trazendo flores, cartões, livros, bichos de pelúcia. Os pais de Sofia, com olheiras escuras, tentando ser simpáticos com a galera toda. A própria Sofia, frágil e com um olhar cansado, sendo simpática, também.
Edu não parava de pensar na tal coisa que ela tinha a dizer. Quando conseguiram um tempo a sós no quarto, já tinha passado de meio-dia, e a ansiedade dele já tinha ultrapassado a estratosfera.
— Ok, finalmente estamos sozinhos e você pode falar o que disse que ia falar. Diz logo, por favor, que o suspense tá acabando comigo.
Ela sorriu. Havia alguma coisa diferente nos olhos dela. Enquanto recebia as visitas, ela parecia esgotada e fraca, mas agora, havia uma espécie de empolgação no rostinho dela. Até as bochechas pareceram ter ganhado cor, novamente. Ela se sentou na maca e começou a mexer no celular.
— Sofia? Eu tô aqui, tá.
Ela continuou sorrindo, e foi aí que Edu realmente começou a desconfiar do que quer que ela estivesse aprontando.
— Eu sei, só estou procurando um negócio aqui, pra te mostrar.
Ela encontrou o que queria, aparentemente. Mas em vez de mostrar a tela do celular, escondeu o aparelho atrás das costas, como se estivesse guardando uma surpresa.
— Mas antes disso, me responda, Edu: que dia é hoje?
— Ahm... Sexta? Dia 18?
— Uhum. Isso significa que amanhã é dia 19...
— Ah, vá. Jura?
Ela riu, e Edu apreciou o som gostoso da risada dela ecoando pelo quarto.
— Pelo amor de Deus, Sofia, vá direto ao ponto, você sabe como eu fico agoniado com essas coisas. O que que tem amanhã ser dia 19?
— Amanhã é dia 19, dia do Festival Internacional de Balonismo.
Eduardo piscou, confuso.
— Ahm. E o que isso teria a ver com a gente?
E então ela mostrou o celular. Na tela, aparecia a mensagem "Parabéns, sua inscrição foi confirmada!".
— Tem que eu fiz a nossa inscrição e a gente vai pro festival.
Ela entregou o celular para ele.
— Dá uma olhada, as informações estão todas aí. Edu, isso vai ser incrível, a gente tem que ir. Pensa, que máximo, a gente viver uma coisa dessas juntos. E, pra ser sincera, eu preciso muito da sua ajuda pra chegar lá.
"Ajuda pra chegar lá", ele repetiu mentalmente. Aquilo não fazia sentido. Ele olhou para as palavras escritas no site do tal festival.
— Eu tô meio perdido aqui, vamos colocar as coisas em ordem. Um. Você está internada. Dois. Esse negócio aí é numa cidadezinha no litoral. No litoral, Sofia. São, tipo, umas seis horas de viagem.
Ela olhou nos olhos dele, e agora parecia um pouco nervosa.
— Eu sei, Edu. Mas a gente precisa fazer isso. Você tem que me ajudar. Por favor.
Havia uma dose de desespero na voz dela, e isso fez o coração de Edu disparar, em pânico. Aquilo não estava acontecendo. Ela não tinha pedido uma coisa daquelas pra ele.
Eduardo respirou fundo e pensou racionalmente. É claro que ela queria ir pra praia, viver uma aventura inconsequente e tudo mais. Ela tinha tido uma crise horrível no dia anterior. Não devia ter dormido direito. Estava sob o efeito de uma dúzia de medicamentos. Tudo bem ela dizer uma coisa meio maluca. Tudo bem, claro. Ele ia consertar aquilo, manter a calma, acariciar a cabecinha imaginativa dela até ela cair no sono. E então, depois de uma boa soneca, Sofia esqueceria aquela história maluca de, sei lá, fugir do hospital e fazer uma viagem de seis horas para participar de um festival de balonismo.
Ele se sentou na maca, ao lado da namorada. Conseguiu ouvir a respiração acelerada dela.
— Sofia, isso não faz sentido nenhum, meu amor — disse, em voz suave. — Você está internada. Certo? Olha em volta. Isso é um hospital, você não pode sair daqui por conta própria.
Ela revirou os olhos, irritada.
— Eu sei como hospitais funcionam, eu passei a vida inteira dentro deles. Não fala comigo como se eu tivesse dois anos de idade, Eduardo. Escuta, o médico já ia me dar alta amanhã de manhã, de qualquer forma. Eu só estaria antecipando a minha saída. A gente pode sair nessa madrugada, de manhã já estaríamos na praia.
Ela realmente estava levando aquela maluquice a sério.
— Você falou sobre isso com os seus pais e eles disseram não, né?
— É claro que eu não falei sobre isso com os meus pais. Eles não me deixariam viajar nem pra esquina. Estou planejando a nossa viagem há dias, eu não ia estragar tudo contando pra eles.
— Então você quer fugir do hospital? De madrugada, ainda. É isso? E aí eu roubo o carro do meu pai...
— O nome disso é empréstimo — ela o corrigiu rapidamente.
— E a gente faz uma viagem de seis horas pra você poder ver uns balões.
— É, e no caso, nós dois vamos não apenas ver os balões, como voar em um deles.
Voar. Há. Nem no mundo da imaginação Eduardo se arriscaria num negócio de ar de quente subindo desgovernadamente pelo céu. Mas, enfim, o medo de altura, naquele momento, era o menor dos problemas. A ideia de Sofia era absurda, do início ao fim.
— Edu, já tá tudo planejado, pode confiar em mim. Eu só preciso que você diga que está comigo nessa. Ir pra esse Festival de Balonismo é um sonho que eu quero muito realizar. E tem que ser agora.
— Não, não tem que ser agora, amor. Você não está bem pra fazer uma viagem dessas agora. Calma. Ano que vem você vai estar melhor, e aí você realiza o seu sonho, tá bom? Ano que vem, com a autorização dos médicos e dos seus pais, quando a sua saúde estiver melhor.
Deu pra ver um mar de tristeza inundando os olhos castanhos dela.
— Esse evento só acontece de dois em dois anos. Eu não acho que ainda vou estar aqui pro próximo. Não tenho tanto tempo assim. Eu preciso ir logo, e eu não posso e não quero fazer isso sem você, Edu. Você tem que fazer isso por mim, por favor. Eu preciso disso, você não faz ideia do quanto.
Ouvi-la dizer aquilo fez o estômago dele revirar. Sofia adorava céus estrelados, paisagens bonitas, coisas que voam. Ele queria poder dar pra ela qualquer coisa que ela pedisse.
Mesmo com aquele nó na garganta, ele conseguiu dizer:
— Eu quero realizar todos os seus sonhos e eu juro que faria qualquer coisa por você, Sofia. Eu sei que você merece voar em balões e ver paisagens bonitas, e tudo mais. Você merece isso, meu amor. Mas o que você está me pedindo eu não posso fazer. Eu não posso te tirar do hospital no meio da noite, eu não posso deixar você se arriscar assim. Entende?
Ela fez que sim com a cabeça. Mesmo depois de tudo o que passaram juntos, Eduardo nunca tinha visto uma expressão tão triste no rosto dela. Parecia que ele tinha matado a última esperança que Sofia tinha de fazer algo legal na vida.
Aquilo foi demais pra ele. Edu percebeu que talvez fosse acabar chorando na frente dela, coisa que ele odiaria fazer, então deu uma desculpa pra sair dali antes que isso acontecesse.
— Eu vou ao banheiro, tá? Eu já volto.
Todo aquele esforço para segurar o choro fazia a garganta dele doer. Tinha ficado bom nisso, desde que conhecera Sofia. Mas talvez, agora, tivesse chegado ao limite.
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Sobre o fim
Fiksi RemajaEduardo tem vários medos, mas nenhum se compara ao pânico de perder sua namorada, Sofia, que enfrenta uma doença em estágio terminal. Entre o medo e a coragem, a beleza e o caos, o fim e o início vão se entrelaçando ao longo da história de amor vivi...