O Início

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Era o primeiro dia de Eduardo numa escola nova. E ele odiava primeiros dias. Ainda mais naquela escola enorme, lotada de gente, com salas e turmas infinitas. Odiava se sentir perdido. Dessa vez, pelo menos, ele tinha Costela como companhia.

— Cara, você vai ter me dar a metade da sua coxinha. Você comprou a última coxinha da cantina, e você sabe que eu adoro coxinha. — disse Costela, arrancando o salgado das mãos de Eduardo, que respirou fundo. — Mas enfim, como eu tava dizendo. Essa escola não é tão ruim. Eu estudo aqui desde o ensino fundamental e ainda não morri de tédio nem nada.

Eles se sentaram num banco de concreto, a poucos metros de um grupinho sentado em roda no chão, perto de uma árvore. Eduardo ficou encarando o tal grupo. Parecia uma espécie de reunião adolescente dos Alcoólicos Anônimos. E a tal reunião era claramente presidida por uma garota de cabelos castanhos que ele não conseguia parar de encarar.

— O que eles estão fazendo? — Edu quis saber, apontando discretamente para o grupo.

— Ah — disse Costela, com desinteresse. — Isso aí é o Clube da Bíblia, a reunião dos crentes, sei lá que droga é essa. Eles ficam o intervalo todo fazendo oração, rezando o terço, cantando música tosca, eu não sei explicar.

E então Costela percebeu o quanto os olhos de Edu estavam fixos na garota que falava sem parar para o grupinho de crentes.

— Mas quem diria, parece que alguém aqui acabou de se converter!

Costela exibiu um sorriso largo, e foi assim que Edu soube que ele estava pronto para zoar ainda mais com a cara dele.

— Aê, menina presidente da galera de Jesus! — berrou Costela. — Meu amigo aqui tá precisando de oração, será que vocês podem abrir um espacinho pra ele na roda?

A garota encarou Costela, e depois Edu, que sentiu que provavelmente ia morrer de humilhação. As pessoas da roda realmente abriram espaço, e Edu, impulsivamente, sentou-se com elas. Costela deu o fora imediatamente, tentando abafar as risadas.

Eduardo evitou olhar para as pessoas na roda. Sentia suas bochechas queimando de vergonha. A garota que Costela tinha chamado de "menina presidente da galera de Jesus" lançou um olhar rápido para Edu, antes de voltar a falar. Escutando a voz dela pela primeira vez, Eduardo ficou inexplicavelmente arrepiado. Tudo naquela garota era hipnotizante. Não somente a suavidade na voz, mas os olhos castanho-claros brilhantes, os cílios longos, o nariz perfeitamente esculpido.

— A gente pode tentar fechar os olhos para a realidade, e se distrair o tempo todo com Netflix e YouTube, só pra não ter que pensar em nada muito difícil. O problema é que, uma hora ou outra, nós vamos ter que encarar a dor. Em algum momento, você vai se sentir deprimido ou pressionado, ou vai receber péssimas notícias sobre a sua saúde...

Edu reparou, sem entender o motivo, que a garota deu um sorrisinho meio triste nessa parte do discurso.

— Em algum momento, por mais que tente não pensar sobre isso, você vai perder alguém que ama. Talvez só nessa hora você consiga ouvir aquelas perguntas que estão enterradas lá no fundo da sua mente: qual é o propósito disso? Qual é o sentido de toda essa dor, e também de toda a beleza do mundo? Eu me pergunto isso o tempo todo. Por que eu estou aqui, e qual o motivo pra continuar lutando? Se tudo vai simplesmente explodir um dia, se o universo for só um caos sem sentido, se estamos destinados a virar comida de minhoca...

— Tá querendo deprimir a gente hoje, né? — murmurou um menino que estava sentado no chão, ouvindo a garota do discurso. Em resposta, ela deu uma risadinha. Eles deviam ser amigos ou algo assim. Eduardo não foi com a cara dele.

— Não quero deprimir ninguém não, Lucas.

Lucas. Blergh.

— Todo mundo deveria pensar sobre isso mais vezes, mas quando está tudo bem, a gente só segue a vida no piloto automático, sem realmente viver de verdade. Acontece que chega um momento em que percebemos que estamos no escuro, e aí começamos a procurar pela luz. Quando eu penso que estou sozinha e sem esperança, e que nada faz sentido, eu me lembro de quem eu sou. Eu me lembro que fui criada, e que existe um Criador que me ama. Eu me lembro que eu sou uma parte pequena de uma história muito maior, que sou uma nota de uma sinfonia perfeita orquestrada pelo maestro do Universo. A nossa existência faz sentido porque Deus nos fez para sermos Dele. O Criador eterno nos fez para sermos eternos. Então é claro que ninguém gosta da ideia de morte. A gente não nasceu pra morrer. A cada passo, a cada lágrima, a cada respiração, eu estou mais perto da minha casa. Cada momento aqui me leva em direção à eternidade, e, quando eu penso nisso, todos os meus medos ficam pequenos.

Sobre o fimOnde histórias criam vida. Descubra agora