2 dias antes do fim

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Eduardo desviou os olhos da pista e olhou rapidamente para Sofia, que dormia ao lado dele, no banco do carro. Não achou que ela seria capaz de sentir sono, não naquele estado de empolgação causado pela fuga do hospital no meio da madrugada. A cabeça da garota pendia levemente para a frente, e ele se perguntou se devia parar o carro e colocá-la para dormir em uma posição mais confortável, no banco de trás.

Desejou não estar dirigindo para poder aninhá-la nos braços, como estava acostumado a fazer. Já fazia alguns meses que as taxas de ferro no sangue dela estavam terrivelmente baixas, e isso a deixava bem mais sonolenta que o normal. Desde que a anemia começara a ser um problema, eles nunca mais tinham conseguido assistir a um filme sequer juntos. Antes mesmo da metade da história, o sono a vencia e ela dormia com a cabeça recostada no peito dele. Acordava precisamente ao final, sempre fazendo várias perguntas sobre o que tinha acontecido com os personagens. Edu não se importava em ter que narrar o filme inteiro. Gostava da sensação de tê-la nos braços, de sentir a respiração dela, de ver a serenidade em seu rostinho enquanto ela sonhava com algo que ele jamais saberia — Sofia nunca se lembrava dos sonhos. Com o que ela estaria sonhando agora? Certeza que eram sonhos felizes: ela estava mais feliz que nunca com aquela fuga inconsequente.

Eduardo só interrompeu essas divagações quando olhou em volta e percebeu que havia, de alguma forma, saído da rodovia. Devia ter entrado na estrada errada em alguma bifurcação, e agora não fazia ideia se estava seguindo pelo caminho certo. Se Sofia estivesse acordada, Edu não teria problemas em admitir que estava perdido, e então pedir que ela ligasse o GPS no celular. Mas ela dormia tão tranquilamente que ele não queria acordá-la, e seguiu por mais alguns quilômetros, na esperança de não estar completamente errado.

E, bem, ele estava. Teve que parar o carro quando chegou a uma estrada de terra ao lado de um campo aberto, uma plantação de alguma coisa. Estavam em um lugar completamente escuro, sem um poste de iluminação sequer, sem ninguém por perto. É, ele devia ter parado antes. Desafivelou o cinto de segurança e já estava pegando o celular para ligar o GPS quando Sofia despertou.

— A gente já chegou?

— Claro, chegamos ao nosso destino, uma incrível plantação de soja.

Sofia sorriu.

— Jura? Que legal! 

Eduardo riu e revirou os olhos.

— Eu vou usar o GPS, devia ter feito isso desde o início, assim a gente não teria parado no escuro, no meio do nada.

Mesmo com a luz fraca do carro, Eduardo pôde ver o rosto de Sofia se iluminar.

— A gente está num lugar escuro, no meio do nada! — ela disse, como se aquela fosse a coisa mais incrível do universo. — Vai dar pra ver todas as estrelas do céu!

Ela saiu do carro imediatamente, com os olhos fixos no céu noturno.

Sofia estava certa. Dava para ver incontáveis pontos cintilantes em meio à escuridão.

— É muito mais bonito do que eu achei que seria — ela murmurou, fascinada.

A garota se sentou no capô do carro para assistir ao espetáculo, e Edu fez o mesmo.

— Eu nunca teria uma visão assim na cidade, com todas aquelas luzes artificiais. A urbanização mata a poesia do céu.

Eduardo se lembrou de que já tinha escutado aquela frase antes. Aproximou-se ainda mais, envolvendo Sofia com o braço.

— É tão lindo — Sofia sussurrou.

Ele teve que concordar. Era mesmo uma coisa bonita de se ver, todas aquelas estrelas refletidas nos olhos dela.

— Você sempre teve esse lance de gostar de olhar para o céu. Isso é coisa de filme romântico de drama. 

— É só que... Olhar pro céu, ver as estrelas brilhando no infinito... Isso me mostra o quanto eu sou pequena, o quanto os meus problemas são insignificantes. Eles são partes pequenas de algo maior, muito maior que eu. E aí, eu sinto esse momento de calma e de paz, porque eu me lembro de quem eu sou. E é incrível.

— E lá vamos nós para o momento reflexivo da Sofia — retrucou Edu.

— É sério, olha esse céu, Edu. Isso é majestoso. Você não pode olhar isso e achar que é tudo uma obra sem sentido do acaso. Parece que essas estrelas estão gritando o nome do criador delas.

— Bem... — começou Eduardo — Se você quer mesmo me provar que Deus existe, é melhor você me pedir pra olhar pra sua carinha bonita. É difícil negar a criação divina enquanto olho pra esse nariz perfeitamente esculpido. 

 — Há. Que engraçado. Pro seu bem, é melhor que esse comentário sobre o meu nariz não tenha sido irônico. 

 Ele riu e beijou Sofia bem na ponta do nariz, e depois na testa.

 — Não tem ironia nenhuma. Você é perfeita, Sofia.

Ela voltou suas atenções para as estrelas, mas depois de alguns segundos voltou a encarar Eduardo.

 — Obrigada, Edu.

— Por quê? — ele perguntou, curioso.

— Esse é o segundo céu estrelado que você me dá de presente. — Sofia respondeu, antes de beijar os lábios de Edu com suavidade. 

Sobre o fimOnde histórias criam vida. Descubra agora