— Então esse é o lugar secreto onde máquinas filtram o seu sangue — disse Edu, ao entrar na clínica com Sofia.
— Não é um lugar secreto — ela retrucou.
— Parece que você gostaria que fosse. Praticamente tive que implorar de joelhos pra poder vir aqui com você.
— Porque não tem nada de interessante pra fazer aqui. Tirando conversar com a dona Maria, minha vizinha de máquina. Um amor de pessoa, a velhinha mais otimista e fofinha que você vai conhecer na vida.
Ao entrar na sala de hemodiálise, Eduardo entendeu o conceito de "vizinha de máquina": as máquinas de hemodiálise estavam posicionadas ao longo da sala, uma ao lado da outra. Quando Sofia se sentou na poltrona, cumprimentou a senhora que já estava ligada à máquina ao lado.
— Quem é esse aí? — quis saber dona Maria.
Ela era uma idosa de cabelos brancos cuidadosamente presos em um coque. Usava brincos de pérolas e óculos de grau com lentes espessas. Parecia mesmo ser uma pessoa doce e fofinha.
— Esse é o Edu, meu namorado — explicou Sofia.
Eduardo a cumprimentou e foi pego de surpresa pelo comentário dela:
— Coitado, um jovem tão bonito, não sabe no que está se metendo. Podia estar surfando no Havaí, mas não, tá numa sala de hemodiálise com uma menina que não tem rim.
Edu, chocado com o que ela tão abertamente dissera, olhou imediatamente para Sofia, para ver se ela tinha se ofendido. Mas a expressão de Sofia mostrava que aquele comentário era mais que esperado.
— Viu, como eu disse, dona Maria é um amor de pessoa — sussurrou Sofia, tentando conter o riso.
— Bem, eu não queria estar no Havaí — respondeu Edu, olhando com segurança para a senhorinha. — Não tem Sofia no Havaí, então, no momento, essa sala de hemodiálise é o melhor lugar para se estar.
Edu ficou satisfeito ao ver o sorriso derretido da namorada, mas a resposta não foi o suficiente para dona Maria:
— Essa sua paixão aí não dura nem dois meses. Melhor ouvir a voz da experiência, eu sei das coisas.
Eduardo desistiu de argumentar e se sentou numa cadeira perto da poltrona na qual estava Sofia. Em contraste à velhice e ao mau humor de dona Maria, uma enfermeira jovem e sorridente se aproximou e começou a mexer na máquina que estava ao lado de Sofia.
— E aí, Sôfi, não vai me apresentar seu boy?
Sôfi. Era a primeira vez que Eduardo escutava alguém chamá-la por aquele apelido. O rapaz cumprimentou a enfermeira, que parecia bem animada com a presença dele.
— Casal fofo. Se rolar casamento, eu quero ser madrinha. — disse a enfermeira, enquanto media a pressão de Sofia.
— Mais fácil ter funeral que casamento! — resmungou a idosa, com os olhos fitos na única televisão do recinto.
A tela mostrava a cena de um filme romântico na qual um casal brincava na neve.
— E alguém muda esse canal, que eu não sou obrigada a ver gente querendo pegar resfriado! Rolar na neve, onde já se viu, se fosse a vida real, esses dois aí já tinham morrido de hipotermia.
Sofia e a enfermeira trocaram risadinhas secretas e silenciosas.
— Dona Maria, como sempre, nos presenteando com seus comentários inspiradores — sussurrou a enfermeira, enquanto começava a preparar o cateter para o procedimento.
Eduardo evitou ficar olhando enquanto ela mexia no tubo próximo ao pescoço de Sofia. Deixou para olhar de novo quando Sofia já estava ligada à máquina, mas mesmo assim não era uma visão agradável ver o sangue dela circulando por aqueles tubos. Ela estava tranquila como quem faz um passeio no parque. Aquele era o dia a dia dela, a rotina mais que conhecida. Edu queria fazer parte dessa rotina, e não tinha sido fácil convencer Sofia a permitir isso. Agora, ele só precisava agir com naturalidade, como se não estivesse assustado com todo aquele processo de filtragem de sangue. Infelizmente, a enfermeira o delatou:
— Não precisa ficar preocupado — disse ela para Edu. — O processo de hemodiálise é perfeitamente seguro, eu sou bem cuidadosa. Sua namorada vai ficar bem.
Sofia pegou na mão dele e a apertou um pouquinho, como uma forma de encorajamento.
— Pois é daí pra pior, viu, menino? — disse dona Maria, intrometendo-se na conversa.
Edu revirou os olhos, tentando ignorá-la.
Minutos depois, Sofia disse a Edu, séria:
— Você não devia estar estudando, em vez de ficar aqui perdendo tempo? Isso aqui vai durar horas.
— Eu não tô perdendo tempo, e a partir de agora quero ser seu acompanhante oficial de hemodiálise.
— Nem inventa, Eduardo Henrique. Você tem uma vida, lembra? — Sofia protestou, fechando a cara.
— Tenho sim — disse ele sorrindo, encarando-a de perto. — E a minha vida fica ainda mais fofa quando finge estar irritadinha.
Sofia não conseguiu segurar o sorriso, que se tornou uma gargalhada no momento em que Dona Maria berrou:
— Alguém traga a minha insulina, porque esses dois estão me dando diabetes com essa melação!
Os comentários mal-humorados de dona Maria perduraram pelo resto da sessão de hemodiálise, que seguiu tranquila.
Enquanto voltava com Sofia para casa, no banco de trás do carro do pai dela, que tinha ido buscá-los, Edu perguntou:
— Como você consegue gostar daquela velhinha? Ela não tem filtro nenhum.
— É justamente por isso que a dona Maria é tão engraçada. Quando o dia está ensolarado, ela sempre diz: "Que calor dos infernos!". E quando está nublado ou chuvoso, ela diz: "Dia feio, não suporto pegar friagem". É uma raridade, sabe, encontrar alguém que se esforce tanto para ser pessimista. Dona Maria é uma figura — respondeu Sofia, rindo.
Mas Edu ficou pensando no que a senhorinha dissera. "É daí pra pior..." Ele não queria que nada piorasse. Sofia dependia daquelas máquinas assustadoras para viver. E, desde que soubera da doença dela, ele pesquisara tudo a respeito na internet, apenas para encontrar informações tão desanimadoras quanto os comentários de dona Maria.
Ele não queria que as coisas piorassem porque não sabia se conseguiria suportar ver Sofia sofrendo ainda mais. Preferia pensar que ela conseguiria um transplante de rim e que teria uma vida longa e feliz ao lado dele. Mas e se isso não acontecesse? E se as coisas fossem, de fato, dali para pior?
No banco de trás do carro, Edu olhou para Sofia, que sorriu para ele e recostou a cabeça em seu ombro. Ele beijou-a na testa, lembrando-se de uma citação específica dita por ela, há alguns dias. Era a única de que ele conseguia se lembrar, porque seu cérebro meio que se desligava quando ela vinha com aquelas frases. Essa frase, no entanto, tinha sido um pouco mais memorável que as outras.
"Ame qualquer coisa e certamente o seu coração vai doer e talvez se partir."
Bem, se o custo para amar Sofia fosse um coração esmigalhado, tudo bem. Valeria a pena pagar o preço.
Ele encontrou a mão de Sofia e segurou-a com firmeza até o carro estacionar na garagem da casa dela.
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Sobre o fim
Teen FictionEduardo tem vários medos, mas nenhum se compara ao pânico de perder sua namorada, Sofia, que enfrenta uma doença em estágio terminal. Entre o medo e a coragem, a beleza e o caos, o fim e o início vão se entrelaçando ao longo da história de amor vivi...