Todas aquelas horas na sala de espera tinham sido perturbadoras e confusas, e Eduardo estava agoniado pra entender o que, de fato, estava acontecendo. Só a própria Sofia conseguiria explicar direito. Ele girou a maçaneta da porta e entrou no quarto, se esforçando para parecer calmo, confiante e controlado.
Todo o esforço foi pelo ralo quando os olhos dele se encontraram com os de Sofia. Olhar nos olhos dela era como encontrar um bote salva-vidas depois de um naufrágio. Quando ela sorriu pra ele, Edu quis rir e chorar ao mesmo tempo. Engoliu o nó na garganta, sorriu também e tentou não parecer muito desesperado.
Ela estava mais branca que os lençóis, mas o que realmente o assustou foi o olhar cansado dela. Sofia parecia ter chegado ao limite da exaustão. Mas o sorriso doce e despreocupado de sempre ainda estava lá. De algum modo, ela sempre conseguia sorrir.
Edu se aproximou com pressa, atrapalhado, e a beijou na testa antes que ela pudesse dizer qualquer coisa. Queria abraçá-la com força, mas havia todos aqueles tubos nos quais ele não podia encostar. A mão esquerda dela, felizmente, estava livre. Edu agarrou a mão de Sofia, e o toque da pele dela era tão bom que ele não pôde fazer nada a não ser esfregar as bochechas naquela mãozinha fofa.
Sofia riu um pouquinho quando ele fez isso, mas Eduardo não pôde rir junto. Estava tenso demais, ainda. Ele se sentou na cadeira que estava ao lado da maca, sem soltar a mão dela.
— Meu Deus do céu. Sofia, amor, para de fazer essas coisas comigo — suplicou, olhando-a nos olhos. — Sério. Vamos parar com esse lance aí de ter crise e ficar internada. Qualquer dia desses eu vou acabar tendo um ataque cardíaco.
— Você já devia ter se acostumado. Esse quarto aqui é praticamente a minha segunda casa. — Ela usou um tom de brincadeira, embora tivesse dito algo bastante plausível. Edu estremeceu ao ouvir o som rouco e fraco de sua voz.
Ele respirou fundo e passou os dedos pelo cabelo dela, como fazia sempre.
Realmente, com o quarto ele já tinha se acostumado. Era o quarto 25 da ala de internação, e Edu já estivera lá outras vezes. Em geral, era naquele lugar que ela ficava por dias ou semanas, a cada nova crise. Eduardo estava familiarizado ao branco das paredes, à poltrona desconfortável cor de musgo, ao pequeno sofá bege localizado no canto e à televisão pequena que só tinha quatro canais.
O problema não era se acostumar a frequentar aquele quarto. Já conhecia bem aquele clima de hospital. Ele só não conseguia se acostumar com a possibilidade de perder Sofia. Não dava pra se habituar àquele tipo de medo.
— Como é que você está? Está sentindo dor? — ele perguntou, ainda acariciando o cabelo dela.
— Não, não estou sentindo dor nenhuma. A enfermeira é bem generosa, quando o assunto é me drogar. E não estou na UTI, aquele lugar infernal onde não me deixam escovar os dentes sozinha. Então tá tudo ótimo.
Eduardo conseguiu sorrir um pouco, numa tentativa de tentar disfarçar um pouco da aflição que sentia. Era desesperador ver que Sofia parecia fraca e cansada como nunca esteve antes.
— O que é que está acontecendo, Sofia? Hoje o médico falou com a sua mãe, com o seu pai, até com a sua tia. E eu fiquei lá, sozinho na sala de espera com os gêmeos. E depois ninguém me explicou nada direito — disse Edu, a agonia transparecendo em sua voz.
Ela desviou os olhos dos de Edu para ajustar o tubo de soro.
— Senta aqui comigo — pediu, indicando um espaço na cama para ele.
Ele obedeceu. Olhou nos olhos dela e a beijou suavemente.
— Eu te amo, Edu. Sabe disso, não sabe? — Sofia sussurrou, com a testa ainda colada na dele.
E lá vinha o nó na garganta, de novo. De repente, bateu um arrependimento de ter perguntado o que estava acontecendo. Pelo menos naquele momento, desejou que ela não falasse. Mas ela falou, é claro.
— Meus pais não te disseram nada mesmo, né?
Edu permaneceu em silêncio. O que ela tinha a falar não podia ser coisa boa.
— Eles têm medo que você comece a surtar, ou algo assim. Mas eu não vou mentir pra você. A situação não está nada boa, Edu. É meio esquisito, mas o fato é que... O fato é que a hemodiálise, que me mantém viva, também está me matando. Você sabe de tudo o que já deu errado nesse tratamento. E aí, o doutor Elias finalmente decidiu falar o que já estava bem óbvio. Se a coisa continuar do jeito que está, eu não vou durar muito tempo. As chances de eu conseguir um rim compatível também não são muito altas.
Meu Deus, ele não queria ouvir. Por que raios foi perguntar, se não queria ouvir? Não queria ouvir. Não queria ouvir mesmo. De qualquer forma, Sofia continuou falando.
— Mas enfim, nada disso é novidade. O que aconteceu dessa vez foi que o cateter infeccionou, mas parece que agora está tudo sob controle. Eles não acham que é o caso implantar um novo, dá pra resolver com a medicação, e tal.
O olhar de Edu foi imediatamente em direção ao cateter, um tubo fino instalado logo abaixo da clavícula de Sofia. Estava coberto por um curativo. Era graças àquele tubo ligado à veia que o sangue dela podia ser filtrado por máquinas. Aquele negócio estava ligado à veia do coração dela ou algo assim, então a ideia de uma infecção ali era bem assustadora.
— Sério que eles não querem tirar esse tubo e colocar um novo? — ele perguntou, perturbado, olhando para a área que ficava logo abaixo do pescoço dela, onde dava para ver o curativo que protegia o cateter.
— Sério... Não é um problema muito grande nem nada. Mesmo assim, o Dr. Elias falou que há possibilidade de reinfecções e tudo mais.
Edu beijou a mão dela, antes de falar:
— Você não vai ter que passar por isso por muito tempo. Você vai conseguir fazer o transplante e vai ficar tudo bem.
O pai de Sofia já tinha doado um rim que, por causa de um monte de complicações pós-cirúrgicas, funcionou só por alguns meses. A mãe e a avó não podiam doar. A compatibilidade com as tias e tios não era lá muito animadora. E Eduardo, que já tinha feito uns exames na tentativa de doar o órgão, tinha a droga de um sangue AB. Nas aulas de biologia da escola, ele costumava ficar se gabando por ter um tipo sanguíneo raro. Agora, daria tudo pra ter sanguezinho comum do tipo O+ correndo nas veias.
— Pelo menos a fila do transplante andou um pouquinho. Agora, veja que incrível, eu sou a número 78. Uhul. Em dois ou três anos, eu chego lá — comemorou Sofia ironicamente. Parecia, de alguma forma, ter achado divertido dizer aquilo, e sorriu para Edu.
Ele não sorriu de volta. Sabia que ela não ia sobreviver a mais "dois ou três anos" de hemodiálise.
— Ei, Edu. — Ela segurou o braço dele de leve. — Esse lance que o médico disse, que eu não vou viver por muito tempo, e tal... Você já sabia disso, todo mundo já sabia, ele só resolveu falar de uma vez. E tá, talvez eu não tenha tantos anos pela frente quanto gostaria. Mas agora eu estou bem, e estou aqui com você. Não fica assim. Amanhã cedo vão me dar alta, você vai ver. Eu melhorei bastante de ontem pra hoje. Tá tudo bem, viu?
Ele conseguiu abafar um pouco do desespero. Estava ficando bom nisso.
— Dane-se a fila, eu vou contrabandear um rim pra você. E aí você vai ficar com a saúde ótima, a gente vai entrar na faculdade, e se casar, arranjar um emprego chato, ter filhos de bochecha grande, quem sabe até um cachorro, e viajar com eles pelo mundo. Certo?
Sofia riu e revirou os olhos.
— Voltando à realidade, senhor traficante de órgãos: lembre-se que a gente já tem um filho, e quando eu morrer, é sua obrigação zelar pela felicidade e pelo bem-estar dele.
— Nem a pau que eu vou passar o resto da vida cuidando sozinho daquela coisa feiosa. Se você não estiver comigo, juro que jogo aquele bicho no rio Tietê. Considere isso uma motivação pra você nunca me deixar.
A garota deu tapa fraco na nuca de Eduardo.
— Eu devia ter escolhido um pai melhor pro Teodoro.
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Sobre o fim
Ficção AdolescenteEduardo tem vários medos, mas nenhum se compara ao pânico de perder sua namorada, Sofia, que enfrenta uma doença em estágio terminal. Entre o medo e a coragem, a beleza e o caos, o fim e o início vão se entrelaçando ao longo da história de amor vivi...