Sentada no banco do passageiro, ao lado de namorado, Sofia parecia estar prestes a explodir de empolgação. Eduardo dirigia com todos os músculos do corpo tensos, como um piloto de fuga cometendo o primeiro crime de sua carreira.
Meu Deus do céu. Aquilo era loucura.
Sofia estava concentrada em colocar uma música específica para tocar no som do carro.
— Esse momento é, tipo, o clímax da minha existência, a gente precisa de uma trilha sonora que traduza essa emoção — disse ela, com olhos brilhantes e vivos.
Eduardo ainda estava com as mãos suadas e o coração acelerado. O fato de Sofia ter aberto a janela, colocado a cabeça pra fora do carro e começado a cantar aos berros "Vamos fugir deste lugar, baby" não o ajudou a relaxar.
Tentou pensar com calma sobre a situação. Agora ele não podia mais desistir daquela loucura, mas podia se certificar de que aquela viagem maluca poderia ser feita com o máximo possível de segurança e bom senso.
— Sofia, para de botar a cabeça pra fora do carro, por gentileza — disse, tenso. — Eu quero que você cheque direito essa sua mochila e confira se você trouxe todos os remédios. Se tiver algum medicamento faltando, eu volto pro hospital agora.
Ela fez o que ele pediu, enquanto cantarolava "Guaporé, guaporé".
— Relaxa. Tá tudo aqui, eu sou responsável, tá? Trouxe os remédios, vou tomar na hora certa, vai ser uma viagem segura, tranquila e feliz. — A empolgação dela começou a aumentar de novo. — Mais que isso, vai ser inesquecível! A melhor coisa que eu já fiz na vida!
Inesquecível, pensou Edu. Com certeza, ninguém esqueceria aquela fuga. Principalmente os pais dela. Em um flash, veio à cabeça dele a imagem dos rostos de Luciana e Jorge, os pais de Sofia.
— Meu Deus, Sofia, eu não posso fazer isso, o seu pai vai me matar. Sério, isso é tão errado, e eles me adoram, quer dizer, eles me adoravam, agora vão me odiar pra sempre, vão achar que eu estou sequestrando você ou sei lá o quê.
Sofia riu.
— É mais fácil eles acharem que eu sequestrei você, e não o contrário.
É. Isso era verdade.
— Mas não se preocupe, eles não vão te odiar. Eu deixei uma carta explicando tudo sobre a fuga. Uma carta muito boa, inclusive. Eu até tirei uma foto dela com o meu celular, pra guardar de recordação. Posso ler pra você?
Eduardo respirou fundo.
Sofia começou a ler a carta pelo celular, com voz de narradora de filme:
Queridos papai e mamãe,
Eu fugi do hospital. Desculpa. Eu sei que é feio fazer essas coisas. Vocês já podem ir pensando aí em um bom castigo, eu mereço.
Preciso deixar claro o motivo pelo qual fiz isso.
Não é porque eu estou tentando ser uma adolescente rebelde. Eu não gosto de rebeldia. Inclusive nunca vi aquela novela, Rebelde. Dizem que tem uma personagem lá, a Roberta, que trata a mãe super mal e pinta o cabelo de vermelho. Eu jamais pintaria o meu cabelo, principalmente daquela cor, e, mãe, você sabe que eu te amo pra caramba. Quando eu entrei pro Ensino Médio e você parou de me beijar e me abraçar na porta do colégio, "pra não me constranger na frente dos coleguinhas", eu tive que te dar uma palestra sobre o trauma emocional que a falta dos seus beijinhos ia me causar. Lembra? Então. Eu não sou rebelde.
Eduardo teve que interromper a leitura:
— Puxa. Você realmente sabe manter o foco de um assunto — ele disse, ironicamente. — Ser objetiva não é muito a sua praia, né?
— Você disse praia? Uhul, é mesmo, nem acredito, a gente está indo pra praia!
— Viu?
Sofia riu e continuou a leitura da carta.
Tem um motivo sério pelo qual eu estou fazendo isso.
É que eu preciso disso, pai. Preciso disso mais que nunca, mãe. Não queria desobedecer vocês, mas precisei. (Pensando bem, vocês nunca disseram "Sofia, não pule a janela e fuja do hospital de carro no meio da madrugada na companhia do seu namorado"., então não sei se é válido dizer que eu desobedeci, exatamente). De qualquer forma, espero que possam me perdoar.
Eu sinto no meu coração que talvez essa seja a última oportunidade de fazer algo que eu realmente queira. Eu preciso dessa aventura. Eu preciso presentear o meu coração e os meus olhos com alguma coisa nova. Eu tenho que tomar essa dose colorida e empolgante de vida. Porque, graças a Deus, eu ainda estou viva, e vou tirar proveito disso. Preciso viver uma vida diferente, pelo menos por um dia.
Vocês nunca iam concordar, nem se eu chorasse sangue e escrevesse, pra explicar meus motivos, a carta mais poética e tocante do mundo. Então por isso acabou sendo uma fuga.
Talvez seja egoísmo da minha parte. E talvez também seja egoísmo da parte de vocês o fato de que jamais me deixariam fazer algo assim, mesmo sob supervisão, mesmo se esse fosse o meu único desejo. Mas enfim, vocês são os pais, eu sou a filha, então eu que vou acabar de castigo mesmo.
Ah, e tem uma coisa muito importante: não matem o Edu. Vocês sabem que ele só faria algo assim se fosse forçado. Acredite, ele não está feliz com essa situação.
— Não mesmo — retrucou Eduardo.
Prometo que volto em breve, sã e salva. Estou levando todos os remédios, fiz hemodiálise ontem e vou cuidar bem de mim. O Edu também vai.
Não, calma, pai. Afaste esses pensamentos impuros da sua mente. Ele não vai cuidar "daquele" jeito, então você não precisa mobilizar a polícia internacional pra nos perseguir. Relaxa, viu? Eu ainda sou uma cristã séria, apesar de fazer essas coisas de fugir de hospital. Pode confiar.
Com amor,
Sofia.
— Eu. não. acredito. que. você. escreveu. isso. — ele reclamou.
A garota encolheu os ombros, sorrindo.
— E bem que você podia não ser uma cristã séria — disse Edu com um sorrisinho, tirando os olhos da estrada por um segundo para olhar Sofia.
Ela fez uma expressão exagerada de quem estava profundamente ofendida e socou o ombro dele, como de costume.
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Sobre o fim
Teen FictionEduardo tem vários medos, mas nenhum se compara ao pânico de perder sua namorada, Sofia, que enfrenta uma doença em estágio terminal. Entre o medo e a coragem, a beleza e o caos, o fim e o início vão se entrelaçando ao longo da história de amor vivi...