Sofia encarou Edu com um olhar indignado.
Eles estavam sentados no sofá da casa dela, discutindo enquanto um filme passava na TV.
- Como você pode dizer uma coisa dessas? - perguntou Sofia. - Todo mundo sabe que o Homem de Ferro é, claramente, o super-herói mais importante de "Os Vingadores". Na verdade, esse filme devia se chamar "Homem de Ferro e seus amigos".
- Pois pra mim, não faria falta nenhuma. Esse Tony Stark é chato pra caramba. Um super-herói não devia ser arrogante desse jeito - retrucou Edu.
- O cara é um gênio, bilionário, playboy e filantropo. É claro que ele tinha que ser um pouco arrogante! - exclamou Sofia.
- Tá bem... - disse Eduardo, aproximando o rosto do dela. - Você venceu. Vamos nos concentrar em coisas mais importantes, agora. Ela sorriu e desordenou o cabelo dele com uma das mãos. Eduardo a beijou no mesmo momento em que o pai dela estava passando pela sala.
- Ei! Vocês disseram que iam assistir ao filme! - ele reclamou.
- Ah, pai... Você realmente acreditou nisso? - respondeu Sofia, sorrindo cinicamente.
- Não, pra falar a verdade. Tô de olho, garoto - advertiu, cutucando o ombro de Eduardo.
- A gente podia ir ao cinema no sábado. Tem um filme ótimo em cartaz, chamado "Sozinho com você no escuro por duas horas". - Edu sussurrou para Sofia, assim que o pai dela saiu de perto, com um meio sorriso nos lábios.
Ela riu e se deitou no sofá, com a cabeça sobre o colo de Edu. Ele ficou em silêncio, com os dedos entre as mechas castanho-claras do cabelo dela.
Na televisão ligada havia, basicamente, imagens de coisas explodindo o tempo todo.
- Sério que você, a menina hipster-cult, gosta desse filme?
- Me respeita, que hipster-cult o quê. Pra mim, se o filme não for um drama meloso e previsível, já está ótimo.
- Pois é, a vida já é dramática o suficiente - falou Eduardo, apertando de leve a bochecha dela.
Sofia pareceu se lembrar de algo importante e se sentou no sofá rapidamente.
- Eu te contei a tragédia que aconteceu semana passada?
- Não. O que aconteceu? - perguntou Edu.
- Na terça, quando você estava estudando, a Fernanda veio passar a tarde aqui em casa, comigo. Eu estava meio mal por causa da diálise e ela disse que ia trazer os dois filmes favoritos dela pra gente assistir. Sabe quais eram?
Eduardo ficou encarando Sofia, esperando a resposta.
- "Um amor para recordar" e "A culpa é das estrelas". E eu pensei: "Por favor, não precisa me torturar, só me mata de uma vez." Ela só podia estar zoando com a minha cara. Quer dizer, eu já tenho uma doença em estágio terminal, não preciso ficar assistindo histórias melosas sobre garotas morrendo de câncer.
- E você assistiu?
- Eu fui forçada! Acho que a Fernanda quis se vingar por eu ter feito ela assistir a primeira temporada de Game of Thrones.
Eduardo riu e envolveu Sofia com o braço direito.
- Foi a tarde mais entediante da minha vida! Filme de drama adolescente é um saco. Nos primeiros dois minutos já dava pra adivinhar quem ia morrer no final. - Ela fez uma longa pausa. - Sem falar que isso me deixa meio deprimida. Eu fico pensando que a minha história é tão entediante e melodramática quanto a desses filmes. E como se não bastasse, a Fernanda teve a coragem de dizer pra mim que, se um dia alguém fizesse um filme sobre a minha vida, ele seria tão emocionante quanto "A Culpa é das Estrelas". Depois de escutar uma coisa dessas, eu pensei seriamente em arrancar fora os meus ouvidos.
- Ah, você não devia se estressar com isso. A gente sabe que a Fernanda não tem muita noção das coisas mesmo, e...
- Sabe o que eu respondi pra ela? Eu disse que, no meu caso, a culpa não é das estrelas. É sua, mesmo.
- Minha?
- É.
Sofia olhou fixamente nos olhos de Edu.
- Você entrou na minha vida e transformou a minha história em um romancezinho dramático de adolescente. Por sua culpa, agora a minha vida tem o enredo clichê de "mocinha com doença terminal conhece um cara que é burro o suficiente pra se apaixonar por ela". Muito obrigada.
Aquele "muito obrigada" soou especialmente irônico. Ela lançou para Edu um olhar teatral de irritação.
- Esses seus ataques aleatórios de revolta são efeito colateral dos remédios que você toma ou é TPM, mesmo? - provocou Eduardo, com um sorrisinho.
Sofia não conseguiu evitar uma risada, mas mesmo assim tentou fingir estar brava e socou o ombro dele sem piedade nenhuma. Edu gemeu de dor, mas ficou feliz pensando que era um bom sinal ela estar tão forte.
- Viu como a nossa história é totalmente original? Eu não conheço nenhum filme de drama no qual a mocinha doente seja violenta a ponto de quase deslocar o ombro do cara legal que gosta dela - argumentou Eduardo, massageando a região do ombro onde ela tinha batido.
Sofia riu e beijou a bochecha dele.
Ela voltou a olhar para a tela da televisão, mas Edu percebeu que ela não estava prestando a menor atenção no filme.
- Tá pensando no quê?
- Sei lá, eu só... - ela começou a falar, ainda olhando distraidamente para a TV. - Queria que a nossa história tivesse um final menos previsível, sabe? Eu já sei como vai acabar. Você já sabe, todo mundo sabe. E isso é uma droga. Detesto final óbvio.
Lá vinha ela falar sobre o fim. Eduardo odiava aquele assunto. Odiava. Aquilo sempre fazia o estômago dele começar a doer. Apertou ainda mais o braço em volta dela.
- Francamente.... - ele disse. - Você só fica aí, tendo a plena certeza de que vai morrer antes de mim. Eu ia rir muito se, por ironia, a vida fizesse você quebrar a cara e eu fosse atropelado por um ônibus, e depois você vivesse anos e mais anos de tristeza e solidão sem mim.
- Como você ia rir, criatura? Você foi atropelado por um ônibus, esqueceu? - ela perguntou, segurando o riso.
- Meu fantasma ia te visitar à noite só pra zoar com a sua cara. Sério, é muita presunção sua ficar achando que vai morrer antes de mim. Você por acaso controla o universo, pra saber disso?
- Presunção - disse Sofia - é usar palavras como "presunção". Pelo amor de Deus, uma pessoa com o seu vocabulário já devia ter passado no vestibular.
- Chata - resmungou Eduardo, cutucando a barriga dela só pra fazê-la sentir cócegas.
Toda vez que ela ria, como naquele momento, ele tentava armazenar o som daquela risada em algum lugar do cérebro. Esperava poder ouvir aquele som ecoando na cabeça dele de novo, quando Sofia não estivesse por perto.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Sobre o fim
Teen FictionEduardo tem vários medos, mas nenhum se compara ao pânico de perder sua namorada, Sofia, que enfrenta uma doença em estágio terminal. Entre o medo e a coragem, a beleza e o caos, o fim e o início vão se entrelaçando ao longo da história de amor vivi...