1 dia antes do fim

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Os pais de Sofia estavam tão nervosos. Luciana estava com os olhos vermelhos e Jorge estava com uma postura rígida, como se não conseguisse relaxar nem por um segundo. Os dois não tinham saído do lado da filha desde que ela chegara ao hospital para iniciar os preparativos da cirurgia.

O fato é que ninguém conseguiria respirar direito enquanto não recebessem as boas notícias de que o transplante tinha sido um sucesso.

Mesmo assim, passou pela cabeça de Edu a ideia de que todas aquelas visitas, presentes e abraços longos demais eram a prova de que ninguém acreditava muito que Sofia fosse resistir ao procedimento. Aqueles mimos, beijos e puxação de saco, logo de manhã cedo, irritaram Edu de um jeito estranho.

Todos os tios e primos de Sofia tinham ido visitá-la. O pessoal da igreja dela não parava de chegar. O avô, que quase nunca aparecia, estava lá. E muita gente da escola, também, especialmente a galera do segundo ano. A Fernanda tinha ido também, embora isso não fosse tão anormal. A Fernanda ia sempre.

Enquanto os pais de Sofia conversavam no canto do quarto com uma tia-avó qualquer, Edu achou que seria uma boa oportunidade para ter um pouco da atenção dela.

— No que você está pensando?

Sentada na cama, Sofia olhou para a pilha recém-formada de bichos de pelúcia. Um grande poodle de pelo cor-de-rosa a encarava.

— Sério, depois que eu fiquei doente, a produção mundial de animais de pelúcia deve ter aumentado em cinquenta por cento. Eles são fofos, mas o que é que eu vou fazer com tanto bicho?

— Guarda pros nossos futuros filhos — respondeu Edu, sorrindo enquanto se sentava ao lado dela.

— Se tudo der certo, teremos uma baita história para contar pra eles — disse Sofia, esperançosa. — Pra gente, tudo isso é tão louco que parece que a nossa vida é um roteiro de filme, mas aposto que, quando a gente for contar, eles vão achar um tédio. Especialmente se forem adolescentes. Adolescente é tudo debochado.

— Você é adolescente — pontuou Edu.

— E por isso sou debochada. Digo por experiência própria. Se essa não fosse a minha história, eu com certeza acharia tudo isso chato, meloso e irreal.

— Sério?

— Não, mentira. Eu ia adorar. Uma história cheia de drama que envolve uma linda tartaruga de estimação, uma charmosa garota prodígio com rins que não funcionam e um cara fofo que dá constelações de presente pra namorada? Caramba, eu ia adorar essa história mesmo se ela não fosse minha.

Edu beijou a testa de Sofia. Aquele transplante tinha que funcionar.

Então Sofia pareceu se lembrar de alguma coisa. Alguma coisa importante.

— Edu. Nesse dia, o dia em que você me deu constelações de presente, eu te dei um presente, também. Lembra? Você chegou pelo menos a abrir?

A Bíblia. Ele nunca tinha nem aberto. Mas estava guardadinha na gaveta, cem por cento conservada.

— Não. Tenho preguiça. Mas olha, um dia eu leio, sei lá, aquela parte que tem os dragões ou algo assim, deve ser da hora.

— Apocalipse?

— É, isso aí.

Sofia riu.

— Bem, há um tempo certo para todas as coisas debaixo do céu.

— Isso é uma citação, né? — suspirou Edu.

— É, você saberia, se lesse Eclesiastes.

Edu segurou as duas mãos de Sofia e fingiu estar prestes a fazer uma promessa solene.

— Escuta aqui, meu amor. Custe o que custar, eu vou encontrar uma cura pra sua doença.

— Ok, isso foi bem aleatório, e você tá cansado de saber que não existe cura, inclusive o transplante é só um meio de tratamento, não é exatamente uma cura, então...

— Eu sei, eu estava falando da sua outra doença. O seu vício patológico em citações.

Ela deu uma risada gostosa que ecoou pelo quarto branco. Depois revirou os olhos com desprezo, mas já era tarde para fingir que não tinha achado graça.

O pai de Sofia se aproximou. Edu se assustou um pouco com a aparição repentina.

— Falando em hora... Está na hora de mandar todo aquele pessoal na recepção do hospital para casa, a gente quer paz aqui, durante o procedimento.

Minutos depois, quando era a hora de deixar Sofia ir, Edu quis agarrá-la e pedir para ela desistir de tudo. Mas não fez isso. Ele a amava e isso significava deixá-la livre para tomar aquela decisão, a decisão justa de abraçar uma oportunidade e dar um salto no desconhecido, em busca de uma vida melhor.

E por isso, ele se esforçou tanto para segurar as lágrimas ao se despedir dela, antes que a levassem para a sala de cirurgia. Daquela vez, ele tinha que conseguir segurar o choro, tinha que passar calma e confiança.

Mas a garganta de Edu estava travada, e tudo o que ele conseguiu dizer foi um "eu te amo" sussurrado. Era o suficiente.

Sobre o fimOnde histórias criam vida. Descubra agora