Mãos manchadas por sangue

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Depois da despedida de Arón, Maya chorou até adormecer. Sonhou que estava novamente nos ares. O prazer de poder voar novamente era grande. Suas asas, com um tom amarelado, batiam sem restrições. Recordou do tempo em que ela e os amigos rasgavam o céu, procurando apenas se divertir. Em seu sonho, passava por montanhas, cachoeiras e vales. Era bom poder se sentir livre.
Quando acordou, pôde entender com mais precisão o que Arón queria dizer com liberdade.
Sensurou-se por abrir os olhos. Queria sentir o gosto da liberdade de novo. Se levantou e foi para seu quarto. Chegando lá, abriu a primeira gaveta da cômoda e pegou uma corrente. Era um cordão preto com a pedra amarela de seu dom. Aquele era seu pingente.
Maya o colocou no bolso e saiu da república. Foi até o local onde ela e Arón sempre iam. Subiu no primeiro galho e se sentou. Lá fora, o sol se punha. Esperou até que escurecesse e ficou em pé.
Noramelmente não havia nenhum ser humano por perto naquele horário. E ela tinha visto um monte de coisas ruins naquele dia, precisava mesmo era relaxar. Pegou o pingente e colocou no pescoço, e, apertando-o contra o peito, fez um tipo de uma prece silenciosa:
Oh, pureza da inocência, que se ergue da noite da solidão, peço que fique comigo hoje. Dê-me as asas.
Em resposta, um par de asas amareladas surgiram de trás da garota. Seus olhos azuis brilharam e seu coração começou a sentir algo que há muito não sentia. Abriu as asas e se preparou para alçar vôo, quando uma coisa lhe chamou a atenção. Algo ou alguém estava caminhando em direção à república. Seu olfato apurado a fez sentir o cheiro de sangue.
O que está havendo? Ela pensou.
Maya observou a figura até que sua espada brilhou à luz da lua. O cheiro de sangue vinha dela.
A pilar decidiu ir verificar, já tinha suas asas materializadas, caso precisasse sair dali, usaria o céu. Desceu devagar da árvore e seguiu o rapaz.
Maya logo descobriu que se tratava de um humano pela sua postura. Desde sempre, os pilares aprenderam a reconhecer seus inimigos pelo modo como andavam. Apesar de serem apegados aos humanos, não era de costume que eles se metessem em coisas humanas. Maya estava quase saindo quando ouviu a voz de Astrid. A garota voltou e espiou o que estava acontecendo. O humano tinha batido na porta da amiga e, aparentemente, a estava ameaçando com a arma.
- O que você pensa que está fazendo?- Astrid perguntou gritando.
O rapaz tinha lágrimas nos olhos.
- Vim te levar comigo- ele respondeu.- Por que você não me quer mais?
Maya tinha entendido direito? Astrid estava começando a ter um caso com um humano? Se um pilar fizer isso, perderia sua imortalidade e, consequentemente, seus dons.
O rapaz humano tentou abraçá-la, mas Astrid se esquivou.
- Você está bêbado de novo?- Ela perguntou.- Vai embora! Acabou!
O rapaz, ao menos, tinha força de vontade. Pegou o pulso de Astrid e a puxou fortemente, a colocando na parede. Prendeu a jovem com uma de suas mãos. Astrid tentou empurrá-lo.
- O que você...
De repente, suas palavras se perderam no ar. O humano pegou a espada e apertou um pouco a lâmina nela. Humanos comuns podem matar os pilares se acertassem no ponto certo.
Astrid respirava pesadamente.
- Jeferson, larga a arma- disse ela pausadamente.
O garoto riu.
- E agora?- Ele perguntou.- Cadê a sua coragem?
A pilar estava em estado de alerta. O problema era que não tinha seu pingente ali, então simplesmente ficou refém de um humano.
O rapaz alisou os cabelos da jovem.
- Astrid- ele sussurrou-, eu ainda te amo. Basta dizer que também me ama e eu deixo tudo de lado.
Astrid conseguiu forças para jogá-lo para o lado.
- Me deixa em paz!- Ela exclamou.
O garoto tinha, agora, enlouquecido. Agarrou-a pela cintura e ameaçou furar o coração dela. Maya arregalou os olhos. Um humano não seria capaz de encontrar o ponto fraco deles sozinho, seria?
Nesse exato momento, Donny apareceu.
- Ei, camarada- disse-, o que pensa que está fazendo?
Jeferson o olhou com raiva.
- Não se meta!- Ele gritou.- Isso não é da sua conta!
Os olhos de Astrid e Donny se encontraram. O irmão de Maya se aproximou e tirou-a de seus braços.
- Na verdade, amigo- disse-, é da minha conta sim.
Irado pela a atitude do pilar, Jeferson o atingiu com a espada, um erro. O dom de Donny era a coragem e não deixaria nenhum insulto passar despercebido. Maya sabia o que aconteceria. Seu irmão pegou o pingente vermelho e, quase que instantaneamente, um par de asas vermelho-sangue surgiram de trás dele. Uma espada de um metro de comprimento, folha da mesma cor de seu dom, e o final do punhal da forma de uma águia, apareceu do ar em suas mãos.
Maya tentou correr até o humano, mas foi tarde demais. Seu irmão havia feito um movimento em arco com a arma, arrancando a cabeça do cara.
A garota se jogou no irmão.
- O que você fez?- Ela perguntou.
Como se caísse em si, Donny olhou para ela. Enquanto lágrimas teimavam a cair, suas asas e espada desapareceram, como se fossem simples ilusões. Donny começou a chorar de vergonha.
Era parte do código dos pilares, proteger os humanos, e não matá-los. O pior de tudo era o líder. Abner, além de ser muito apegado aos humanos, os admirava. Um pensamento passou em sua mente: e se ocorresse a mesma coisa que aconteceu com Arón? Se ela perdesse seu irmão também, com certeza morreria. Tratou de pegar o corpo.
- O que está fazendo?- Astrid perguntou.
- Não é claro?- Maya respondeu perguntando.- Abner não pode ver isso de jeito nenhum.
Donny saiu de seu transe e ajudou a irmã com o corpo. Por mais que lamentasse, não podia voltar atrás. Astrid pegou a cabeça e saíram do prédio.
Combinaram de enterrá-lo atrás da república.
Que dia aquele! Maya esperava que amanhã fosse melhor.

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