Mercenário

18 0 0
                                    

Rever amigos antigos faz qualquer ser se sentir bem, seja humano ou pilar. A garota se divertiu até a noite cair. Não tinha visto a hora passar, e logo já estava escuro. Danton a convenceu a ficar só por aquela noite. Natah cedeu sua cama a garota.
Mais tarde, decidiram ficar todos na sala conversando mais um pouco. Eram velhos amigos que não se viam há muito tempo. Quando Cadmiel tocou no assunto de ela ter perdido o pingente, Maya pensou se deveria ou não contar a eles.
- Não precisa responder se não quiser- disse.
Cadmiel estava deitado com a cabeça no colo de Laysa. Maya o olhou nos olhos.
- Hyuku esteve na escola- ela respondeu.
Ela pegou na mão o seu pingente.
- Eu não consegui nem me defender- disse ela-, como posso proteger os humanos?
Danton sorriu para ela.
- Ei- disse-, a culpa não é sua. Estão sem treino, é lógico que a qualidade abaixa.
Apesar de ter tentado, Danton não conseguiu reanimar a menina. Um outro renegado, cujo nome era Daniel, falou:
- O que Danton quis dizer é que a sua força só precisa de um empurrão para se mostrar. Se precisar, sabe que estamos aqui.
- É- disse Natah.- Podemos não ser mais pilares, mas amizade é pra vida toda.
Maya sorriu. Realmente tinha sorte.
- Obrigada, gente- disse.
Laysa começou a falar:
- Mas, vem cá, seus outros amigos não devem estar preocupados não?
Maya a olhou.
- O único que talvez se preocupe comigo é meu irmão. Mas não estou muito afim de ver ele hoje.
- Por quê?- Cadmiel perguntou.- O que Donny fez?
Aquela era uma pergunta que Maya se recusava a responder. Tanto pilares quanto renegados partilhavam do mesmo código quanto aos humanos. Não queria que seu irmão tivesse a imagem arruinada. Pensou em uma desculpa, mas não precisou. Algo chamou a atenção de quem estava ali: o pingente de Maya começou a brilhar. Já tinham visto aquilo acontecer antes e não era um bom sinal.
Maya respirou fundo. Não possuía o mesmo dom de Arón, ver ao redor com a simples força da mente, mas seu olfato era algo próprio dela. Sentiu o cheiro de pólvora e calculou o que poderia acontecer. Se levantou do sofá. Daniel segurou seu braço.
- O que foi?- Ele perguntou.
Maya segurou o pingente e refez a prece. Suas asas apareceram e seu arco se materializou em suas mãos, bem como sua aljava nas costas. Tentou apurar mais um pouco seu olfato, mas não sentiu o cheiro dos pilares. Mau sinal.
- Não sei ao certo- ela respondeu.- Mas acho que um mercenário está aqui.
E, dizendo isso, se encaminhou para a porta.

Mercenário é a forma pela qual os pilares chamam os humanos que se envolvem com os da escuridão para caçar e matar os da luz. Geralmente são fáceis de serem vencidos e não consomem muita energia pelo simples fato de que, em muitas vezes, se assustam só de verem os pilares com suas asas. Mas algo a dizia que aquele não desistiria fácil. Antes de sair, preparou uma flecha. Assim que se aproximou da porta, pôde sentir o cheiro de carne humana. Abriu-a.
A noite estava silenciosamente estranha. O brilho da lua estava ofuscado por uma nuvem. Desceu os três degraus da varanda e inspirou a brisa que soprava. Sentiu novamente o cheiro de pólvora e soube de onde vinha. Deu a volta pela casa, mas só viu o vazio. Maya ouviu um barulho de arma e se virou.
Um rapaz de aproxidamente quinze anos apontava uma pistola para ela. Tinha a aparência descuidada, como se fosse um dependente químico. Maya olhou para ele com desgosto.
- Larga o arco- disse ele.
Maya desobedeceu. Seu arco era sua única garantia de que sairia viva daquele encontro, mas não disparou a flecha.
- Está surda?- Ele gritou.- Eu mandei lagar!
- Não vou obedecer- Maya disse.- É isso mesmo o que você quer?
Ele apontava a arma para a cabeça da menina, dando a entender que não sabia nada dos pilares. Mas os instintos de Maya a alertaram: ele era mais inteligente do que aparentava ser.
- Sim- ele respondeu.- Eu quero que você abaixe esse arco.
- Não foi isso que eu quis dizer- Maya disse.- Você só tem uma bala, e, se não acertar no lugar certo, ainda estarei viva e poderei te matar. Acha que vale a pena?
Maya estava blefando. Nunca sua consciência a permitiria matar um humano.
Em resposta, o mercenário abaixou a pistola para o coração dela e, com um sorriso, disse:
- Por dois mil reais, sim.
Ele atirou e, no mesmo instante, Cadmiel pulou do teto da casa em cima dele. A bala seguiu seu curso e Maya tentou desviar, só que seu braço foi acertado.
Por mais que não fosse um risco sério, a dor ainda continuava a ser imensamente perturbadora. Ela caiu mais pela dor do que pelo sangue. Seu corpo tremeu completamente, até suas asas. Danton apareceu para acudí-la.
- Maya!- Ele exclamou.- Está tudo bem?
É lógico que a qualidade abaixa, ela se lembrou das palavras de Danton.
Ser ferida por aquilo que você protege quebra tudo o que você acreditava. Por um curto momento, ela pensou se o que faziam realmente valia a pena. Salvavam os humanos para, depois, serem traídos por estes.
Mas este breve pensamento foi destruído assim que Laysa ajudou a ela a se levantar.
Para alguns, ela pensou, vale a pena.
A humana e Danton a levaram para o quarto e a colocaram na cama de Natah. A dor de Maya a impedia de desmaterializar as asas. Danton preparou um curativo.
- Felizmente não é grave- disse.- Mas, ainda assim, vai ser preciso tirar a bala.
Ele pegou do armário uma pinça.
- A parte ruim é que não temos anestesia aqui- ele revelou.- E isso vai doer muito, por isso vou precisar da sua ajuda, Laysa.
A humana olhou para ele.
- Minha ajuda?- Sua boca começou a ficar branca.- Em quê?
Laysa era valente, mas tinha um certo medo quanto a isso.
- Calma- disse Danton.- Não vou te pedir nada demais. Maya é uma amiga, não me sentiria bem em amarrá-la. Vou precisar que você a segure.
- Mas por que quer tirar a bala se não a matará?- Lysa perguntou.
A essa altura, a dor estava começando a fazer Maya desmaiar.
- A carne, ao se regenerar- Danton explicou-, vai cobrir a bala. Além de incomodar, irá fazer com que seu braço fique inutilizável.
Laysa havia entendido e, quando foi segurá-la, percebeu que seus olhos haviam se fechado.
- Danton- ela chamou.- Ela...
- Relaxa- disse ele.- Sua respiração está boa. Ela só desmaiou. Será melhor assim. Vamos começar.
Danton começou a cutucar o ferimento.

CaminhandoOnde histórias criam vida. Descubra agora