Ofensas que não machucam.

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Fallon está andando na cozinha do refeitório de um lado para o outro, consigo vê-la nitidamente de onde estou, pois a luz de lá está acessa — deve ser a único lugar em todo internato —. Quero rir quando vejo ela tirar o avental e pegar um dos chapéus de cozinheiro nas mãos, ela o coloca na cabeça para experimentar e se olha no reflexo de alguma coisa que, da distância em que estou, não sou capaz de ver. Ela devolve o chapéu para onde encontrou e vai para a pia, liga a torneira e começa a lavar toda a louça suja. Levo meus dedos aos lábios enquanto a observo, sei que estou segura onde estou, pois o meu campo de visão me permite notar quem quer que seja pelos corredores, mas o meu foco está todo em Fallon. Ela passa o pulso na testa, deve estar arrependida de ter assumido a culpa do que aconteceu com Eliza para salvar a minha pele. Uma mecha do seu cabelo cai do coque frouxo no alto da cabeça e ela desliga a torneira, seca as mãos em um pano de prato e volta a prender o cabelo novamente, mais firme dessa vez. Não estou perto dela para sentir o cheiro do seu xampu, mas consigo senti-lo se eu fechar os olhos e é exatamente isso que eu faço. Fecho os olhos, percorrendo a ponta dos meus dedos pelos meus lábios para trazer aquela sensação inebriante dos seus lábios nos meus.

Volto a abrir os olhos e Fallon voltou a lavar a louça. Olho pela pequena janela na porta do refeitório para ter certeza de que os inspetores não estão por perto e caminho até a cozinha, passando pelas portas duplas. Fallon arregala os olhos quando me vê, desliga a torneira e olha por cima do meu ombro com medo de que eu seja pega em flagrante.

Ela tem cheiro de fritura.

"O que está fazendo aqui?", sua voz é zangada. "Kenna, o toque de recolher foi meia hora atrás."

Passo a língua por dentro da bochecha, ignorando o que ela acabou de dizer. Sei bem que eu não deveria estar aqui, eu deveria estar deitada na minha cama tendo uma maravilhosa noite de sono porque consegui acertar aquela bendita garrafa de água na cara de Eliza, mas a minha consciência está pesada. Não por Eliza. Por Fallon. Estou com o sentimento de que estou devendo a ela e olhando para a pilha de louça suja que ela tem que lavar, eu diria que estou devendo muito a ela. "Eu ainda não jantei."

Não estou mentindo, a minha única refeição foi a batata e o pedaço de brócolis no almoço antes de Eliza estragar tudo dando um espetáculo sobre a minha vida. Ignorei o jantar porque não estava com fome, Fallon não deve ter reparado nisso porque estava ocupada jantando na sala da diretoria com Drina, a diretora. Ainda não sei exatamente o porquê de ela ter comido lá, mas nenhum outro aluno além de mim já comeu naquela sala com ela.

Fallon se afasta, vai até o refrigerador e corta um pedaço de torta, coloca no prato e vem até mim, tão perto que ficamos cara a cara e a milímetros de distância uma da outra. Ela invade o meu espaço e eu me concentro muito para não olhar para a sua boca, apesar dos seus olhos serem o único lugar onde eu quero estar. Colocando o prato ao meu lado no balcão da pia, nos encaramos por alguns segundos até ela se afastar e ir para os fundos.

Suspiro, passo as mãos pelos cabelos e encaro a torta de chocolate com uma cereja em cima. Pego apenas a cereja e a coloco na boca, Fallon volta com uma caixinha de leite nas mãos. Ela me mostra, volta a se aproximar, mas não invade novamente o meu espaço, fica ao meu lado quando eu pulo no balcão da pia enquanto ela volta a ligar a torneira para terminar de lavar a louça suja. Balanço as pernas suspensas no ar, encarando-a.

Abro a boca e coloco a língua para fora, com a haste da cereja em um nó. Fallon entreabre a boca, não sei se para respirar ou se para falar alguma coisa. "Não terminamos de jogar o nosso jogo."

Ela engole em seco e diz: "É justo. Mas eu quero começar dessa vez."

Ergo minhas mãos, incentivando-a a dar início ao jogo inventado.

Internato Lewis (Spin-off de L.A)Onde histórias criam vida. Descubra agora