O último dia do desprezo.

733 79 14
                                    

Fallon

Na parede da sala tem uma foto do meu pai segurando uma estatueta, foi de quando ele ganhou o Oscar como melhor ator daquele ano. Eu procuro a estatueta na estante de livros dele, é onde ele costuma deixar para exibir para qualquer um que coloque os pés na sua casa, que ele é tão bom quanto dizem.

O talento dele é questionável, imagino que a sua legião de fãs concordariam comigo se soubessem a merda de pessoa que ele realmente é. Ou não, talvez as pessoas admirem aquilo que elas não são ou não têm coragem de ser, não faz sentido, talvez isso se aplique mais as pessoas que são fãs de psicopatas e que os admiram mesmo sabendo de todas as barbaridades que eles fizeram.

Maxwell está deitado no sofá com a garrafa de bebida sobre o peito e o outro braço caído, a mão tocando o chão sujo de uma casa cheia de poeira. Ele deve ter demitido a empregada de novo, da última vez em que estive aqui, a casa estava limpa e tinha um agradável cheiro de lavanda em todos os cômodos, mas agora, só vejo bagunça; sacolas e mais sacolas espalhadas pelo chão, garrafas de bebidas em cima da mesa de centro, latinhas e mais latinhas de cerveja em cima da mesa da cozinha.

Um maldito alcoólatra. Soube o que o meu pai era quando tinha sete anos, uma idade em que eu não deveria ter a menor ideia do que isso significava. E ao longo do tempo, enquanto tentava convencer a mim mesma que era normal os adultos encherem a cara de vez em quando, percebi que o vício do meu pai foi ficando cada vez maior e mais agressivo. No meu aniversário de oito anos, eu o flagrei no quarto com uma mulher, ela estava escovando os dentes e usou a bebida da garrafa dele para bochechar, e ele estava bebendo uísque como se fosse água.

Meu pai não me deu os parabéns naquele dia, na verdade, ele nem lembrou que era o meu aniversário. Passou o dia inteiro caindo pelos cantos da casa, fedia a álcool e isso me incomodou tanto que fui brincar na rua com os vizinhos.

Duas horas depois, Maxwell Hastings abriu a porta de casa e me chamou. Eu entrei e ele trancou a porta, disse que eu não deveria me juntar a aquelas crianças porque eu era filha dele, uma pessoa importante demais para se misturar com a ralé. Fiquei chateada e bati o pé como qualquer criança teria feito, louca por um pouco de normalidade, desejando que pelo menos no dia do meu aniversário o meu pai entendesse que a ralé tinha lembrado de qual dia era aquele. Ele não entendeu, então esperei que ele caísse bêbado em casa para eu poder voltar para a rua e brincar.

Quando Maxwell acordou e me viu na rua com aquelas crianças, ele me pegou pelo braço e me levou direto para o quarto. Ele estava zangado, domado por uma raiva que eu nunca tinha presenciado, era como se o mundo inteiro estivesse contra ele e a culpada fosse eu. Meu pai tirou o cinto da calça e me bateu, me bateu tanto que a fivela do cinto se chocou contra a minha costela e rasgou a minha pele.

Só quando o sangue manchou a minha blusa, quando comecei a gritar de dor, que ele viu o que tinha feito e parou. Me pegou no colo, me pediu desculpas, cuidou do machucado e disse que nunca mais faria nada parecido. Naquela noite ele comprou sorvete, assistimos desenho até tarde na TV e no dia seguinte, quando ele perdeu um prêmio numa categoria na qual tinha sido indicado, ele bebeu de novo e me bateu.

Olho para o desgraçado deitado no sofá, o corpo relaxado, aquele fedor de álcool emanando dele como se fosse natural. Parece inofensivo quando está caído desse jeito, talvez até um pouco mais jovem — apesar dos seus 46 anos —, porém, ao mesmo tempo, aparentando ser mais velho do que realmente é. Sua aparência é uma confusão, há dias em que ele é o cara que arranca suspiros por onde passa, há dias em que apenas pessoas com gostos questionáveis achariam ele realmente atraente. Os cabelos ruivos dele foram pintados de preto, provavelmente por causa das gravações de um filme, e está picotado, bagunçado, desarrumado, desajeitado.

Internato Lewis (Spin-off de L.A)Onde histórias criam vida. Descubra agora