Tudo pela sua (in)felicidade.

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DOZE ANOS ANTES

Tiro a minha Barbie de dentro da casinha. Ela vai trabalhar no novo carro que o papai comprou para ela, ele é rosa e muito bonito, queria ser mais pequena para caber dentro dele. Mamãe disse que quando eu crescer vai me dar um igual, um que me caiba dentro, e ela vai ser a primeira pessoa para quem eu vou dar carona. Mas não consigo brincar por causa dos gritos no corredor, papai segurou no braço da minha mãe e saiu do escritório brigando com ela — ele briga muito com as pessoas —, tapo os ouvidos com as mãos. Não gosto quando eles brigam. Não gosto de gritos. Quero que pare.

Prendo a respiração com medo dos sons que querem escapar do fundo da minha garganta.

"Ei, mocinha", é o papai. Ele está agachado no chão ao meu lado. Não tiro as mãos dos ouvidos. "Quer ir para casa com o papai?"

Aperto os olhos com força para que as lágrimas parem de embaçar minhas vistas, não estou conseguindo ver o papai, mas não quero tirar as mãos dos meus ouvidos. "Quero ficar com a minha mãe."

"Querida", ele segura as minhas mãos e as tira dos meus ouvidos, seca as minhas lágrimas e me ajuda a levantar do chão. Estamos na mesma altura, porque ele ainda está agachado. "Sua mãe não gosta de você", meus ombros tremem e soluços irrompem de mim violentamente. "Lembra que conversamos sobre isso?"

Concordo com a cabeça.

Papai é o único que me ama. Só ele me ama. Minha mãe não me ama. Papai disse que se minha mãe me amasse passaria mais tempo comigo e ela não passa porque viaja muito, então ela não me ama. Papai não mentiria para mim.

"Só você e a mamãe me amam", continuo de cabeça baixa, chorando, mas eu não quero chorar. Papai fica triste quando eu choro e eu não quero que ele fique triste. "Vamos para casa."

Papai sorri e eu tento não chorar quando forço um sorriso para ele. Eu não digo a papai que a minha mãe me ama, porque ele fica bravo comigo e fala outras coisas que me machucam. Ele pode estar certo, ele é adulto e mamãe diz que adultos não mentem — ela nunca mente quando diz que vamos sair para tomar sorvete.

"Lucca!", é a minha mãe. O grito dela é alto. Ela está brava. Eles vão discutir de novo. Tapo os ouvidos de novo com as mãos e fecho os olhos esperando que a discussão acabe enquanto eu conto até dez. Mas não tem gritos e nem discussão. "Podemos conversar sozinhos, por favor?"

"Pra que, Bessie?", papai levanta e me pega em seus braços. "Não quer que a minha filha ouça a nossa conversa?"

"Nossa!", minha mãe esbraveja e escondo o rosto na curva do pescoço do papai. Ela limpa a garganta e suas mãos tocam em mim, acho que ela tenta me pegar dos braços de papai, mas ele se esquiva comigo para o outro lado. "É nossa filha. Você não vai levar ela embora, não pode fazer isso. Eu preciso da minha filha aqui comigo, Lucca. Por favor, não a leve, eu acabei de chegar da Alemanha."

Papai não responde. Estamos andando, descendo as escadas. Ele pega a chave do carro dele em cima da mesinha e abre a porta de casa. Minha mãe ainda desce as escadas, ela parece com pressa, mas desce um degrau de cada vez com cuidado. Será que ela machucou o pé? Eu não sei porque ela está andando assim, mas antes de papai fechar a porta eu vejo a minha mãe parar no meio dos degraus e segurar no corrimão. Ela fecha os olhos e faz cara de dor.

Cutuco papai no ombro. "A mãe se machucou, papai."

"O médico já cuidou dela, Kenna", ele responde, abrindo a porta do carro. "Ele cuida dela de meses em meses. Essa casa está tão podre quanto ela, mas não se preocupe, o papai ama você e vai estar sempre aqui, combinado?"

Concordo com a cabeça. "Ela vai morrer?"

"Não sei, campeã", responde, parando de andar para olhar para mim. "Ia sentir falta da sua mãe se ela morresse?"

Sei que papai quer que eu diga que não, não sei porque ele quer isso, mas sei que ele vai ficar feliz. Ele sempre fica feliz quando eu digo que não gosto da minha mãe, que gosto mais dele, e fica bravo comigo quando eu não digo o que ele quer ouvir. Eu nego com a cabeça, porque é o que vai deixar ele feliz, é o que vai fazer ele não brigar comigo.

"Boa garota!"

Eu não quero que a minha mãe morra, só quero que ela goste de mim, e tudo bem se ela não gostar, mas não quero que ela morra por causa disso. 

Internato Lewis (Spin-off de L.A)Onde histórias criam vida. Descubra agora