As palavras de Bernardo Silva — estimada amizade minha que conquistara no universo futebolístico e que, um dia, fora somente companheiro de seleção nacional — ruminavam a minha mente, conduzindo-a à conclusão de que ele possuía a integralidade da razão. Já conhecia o suficiente a cidade para poder fazer o uso devido do carro que tinha trazido, propositadamente, da capital portuguesa aquando da minha mudança de residência.
Mas a verdade é que era mais forte do que eu. Porque eras tu. Desde aquele primeiro dia em que adentrara o autocarro, com o intuito de utilizar o serviço por uma única vez a fim de ter a experiência distinta de conhecer Manchester por intermédio da sua rede de transportes, que me fizeste decidir que, afinal, não era suposto ser um caso único. Que era para o fazer por mais diversas. Pelo menos, aquelas enquanto, também, lá estivesses. Era um magnetismo sem igual que eu nunca sentira com ninguém, nem mesmo com aquela com que eu pensara, um dia, já ter sentido tudo. Não tínhamos terminado bem pelo que, por isso, tinha decidido para comigo mesmo não querer começar mais nada. Com ninguém. Até que surgiste tu e disseste-me, mesmo sem me dizeres nada, que serias a excepção. Não compreendia porque não te conhecia. Mas acreditava que, assim que o fizéssemos acontecer, que ia gostar de te conhecer. Ainda que existisse uma parte de mim que acreditava que, da tua parte, seria difícil observar qualquer iniciativa. Não te julgava. Parecias dividida entre o querer avançar e o permanecer naquele mesmo lugar onde nada ainda tínhamos feito para algo se passar. Deduzia que poderiam ser traumas de um passado recente, que todos tínhamos e com os quais nenhum de nós deixava de ter de lidar. Em qualquer momento, eles acabavam por colocar-nos entre a espada e a parede, constrangendo-nos a enfrentar algo de que não podíamos fugir.
Não tinha qualquer problema em ser eu a dar o primeiro passo. No entanto, o receio de ser um momento demasiado precoce impedia-me de fazer o que quer que fosse, o mínimo, inclusive, pois nem conhecia o teu nome e não o procurara saber, ainda que a minha vontade se revelasse ser, exatamente, o contrário. Queria que me desses um sinal. Mas até os meus olhares ignoravas. Ainda assim, sentia, também, que não me deixavas de olhar e que tinhas consciência de quaisquer dos meus movimentos, pois eles eram nítidos. Feitos para que tu os pudesses compreender. Já os teus eram escondidos para que eu não fosse capaz de ver. Mas eu via. Talvez fosse esse mesmo teu sinal. Poderia avançar sem correr o risco de, assim que o fizesse, me pedisses para recuar?
Os meus devaneios sem resposta — uma vez que não estavas junto de mim para que a pudesses dar —, foram suspensos pelo genérico toque provido do meu iPhone, que produzia idênticas vibrações no bolso das jeans que substituíram os conjuntos de treino, que envergava durante as suas preparações físicas. Logo que o nome e fotografia de Ivan surgiram perante o meu campo visual, um involuntário palavrão abandonou as minhas cordas vocais, por me ter esquecido, apenas por instantes e por causa de ti, que o meu único irmão encontrava-se na iminência de pisar Terras de Sua Majestade, onde desfrutaríamos de alguns dias na companhia um do outro.
— Então? Eu sei que não estás aí há muito tempo mas esqueceste-te do caminho para o aeroporto? É que já aterrei e não te vejo em lado nenhum, meu cavalo! — Apesar de a minha vontade passar por entregar-me às gargalhadas diante do melodrama protagonizado pelo mais velho de nós, ainda assim, não o fiz, ao invés, revirando os olhos, apesar de ele não me poder ver.
— Não sejas drama queen, Ivan. Acabei mesmo agora de chegar do treino. Nem deu tempo de fazer nada, a não ser receber a tua chamada. — Sabia que não havia sido, completamente, genuíno na minha resposta, pois detivera mais do que tempo suficiente para adentrar o automóvel e percorrer o caminho na direção do aeroporto. No entanto, tinha preferido perder-nos meus próprios pensamentos habitados por ti. A tua influência em mim já era tão imensa e arrebatadora que chegava, até, a ser assustadora.
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Senhora de Si | Rúben Dias
RomanceOnde Isaura, tão senhora de si, permite-se ser de alguém que não dela mesma.