18. Isaura Mourinho

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Assim que a pronúncia britânica do piloto penetrou a minha membrana timpânica, ainda que amortecida pela faixa musical que já tomava como seus os meus ouvidos, o meu corpo realizou um involuntário movimento em direção frontal para apreciar a paisagem que era exibida pela janela do transporte mais seguro do mundo e que colocava perante o meu campo de visão o de aviação da cidade inglesa de Manchester.

       Apesar dos escassos dias no exterior do território de Sua Majestade – para deslocar-me a solo espanhol com Laporte para que o defesa-central pudesse testemunhar o nascimento do seu primogénito –, isso não me impedira de nutrir uma incomensurável saudade de casa, não só pela presença da família que possuía mas, também e a partir de há algumas semanas, por alguém que me fazia sentir, cada vez mais, que Manchester – e, sobretudo, ele – era onde o meu futuro residia. Exatamente porque era com ele que o idealizava.

       — Queres que o nosso motorista te deixe em casa? — O masculino timbre de voz de Aymeric soou próximo de mim, anunciando o minimizar da sua distância para comigo.

       Consumei contacto visual consigo e dirigi-lhe um sorriso, antes de verbalizar a minha resposta.

       — Se não se importarem. — Exibi um erguer dos meus ombros. — Ia ligar ao meu pai ou à minha madrasta mas sendo assim, prefiro. Deste modo, não os incomodo.

       O defesa-central de posição tática movimentou positivamente com a cabeça, em concordância e retornou ao seu lugar, para que nos envolvêssemos de novo na segurança proporcionada pelo cinto que, no decorrer da viagem, havíamo-nos despojado para conquistar um maior nível de conforto. Os meus lábios curvaram num movimento superior assim que testemunhei o instante em que o internacional espanhol regressou à segurança do colo das pessoas da sua vida – a cara metade que se encontrava a embalar o menino dos olhos de ambos –, e dispôs um beijo na testa de cada um. A reação da mais velha foi um cerrar das pálpebras e um mostrar de dentes ao passo que o recém-nascido espirrou involuntariamente, o que nos fez (sor)rir.

Apesar de não me imaginar a desempenhar aquele papel no específico estádio atual da minha vida, ainda assim, era impossível não idealizar o momento na altura em que ele pudesse chegar. Porque, um dia, desejava que chegasse. Era, genuinamente, bonito e amoroso o retrato que aquela pequena grande família, acabada de aumentar, se encontrava, espontaneamente, a criar e a apresentar perante o campo visual de quem os vislumbrava. As minhas reflexões interinas foram, de novo, suspensas mas, daquela vez, pelo ruído e movimentos realizados pelas rodas do jato particular sobre o asfalto da pista de aviação inglesa, oficializando o nosso retorno à cidade britânica.

Uns minutos mais tarde, quando o funcionamento do motor cessou, um alvoroço de corpos a abandonarem os respetivos assentos e a recolherem os seus pertences nos compartimentos acima das cadeiras teve o seu início. Apesar de não sermos um considerável número de indivíduos no interior do transporte, a confusão natural da saída deixava transparecer a sensação de que éramos uma equipa de futebol quando nem metade dos onze jogadores se encontravam ali. Concedi prioridade ao profissional no universo do desporto-rei e ao seu clã, logo depois responsabilizando-me pela recolha dos meus haveres. Numa fila indiana, apeámos a curta escadaria da aeronave e fomos, imediatamente, envolvidos pelas temperaturas exteriores diminutas que imperavam em Manchester, anunciando os meados do outono que, num período de escassas semanas, ofertaria o seu lugar à minha estação preferida: o inverno, não propriamente por si mesmo mas, sim, pelas festividades que transportava consigo e nas quais eu me transformava numa autêntica criança, a época natalícia.

Encaminhamo-nos para o interior das instalações, não necessitando pausar nos tapetes rolantes como os restantes passageiros que, também, se encontravam de regresso a casa, visto que o voo privado permitira a congregação das bagagens numa localização nas traseiras do mesmo apropriada à função. Trespassámos o extenso corredor até à parte de fora e principal do edifício, voltando a confrontar a escuridão gradual que assolava a metrópole.

Senhora de Si | Rúben Dias Onde histórias criam vida. Descubra agora