Apesar do considerável intervalo de tempo em que não a via, era bom revê-la. Mariana fora a primeira relação romântica em que depositara tudo da minha pessoa, comprometendo-me a ser a melhor versão de mim mesmo para outro alguém quando, até então, a procurara ser somente para mim. Haviam sido anos frutíferos, inesquecíveis e de uma aprendizagem diária para ambos os lados. Vivera muito e não me arrependia de nada, nem mesmo do momento em que considerara que era tempo de colocar um ponto final numa história que, durante praticamente todo o tempo em que estivéramos juntos, pensara e desejara que não tivesse um.
Cumprimentei o meu antigo companheiro de balneário e, sempre, colega de profissão com uma saudação que era intrínseca da nossa amizade desde os tempos enquanto profissionais pelo nosso clube do coração, depois fazendo-o para com Magui Corceiro, a sua companheira de, também, alguns anos, seguidamente, com Catarina Maia, a modelo que era uma prezada amizade da dupla do sexo feminino e, por fim, para com a artista musical com um beijo na bochecha e um abraço de lado.
Era visível que o ambiente entre nós ainda patenteava sinais de constrangimento mas procurámos confrontar a situação com a maturidade que conhecia que possuíamos. O diálogo que iniciámos antecipava a sua curta duração, só existindo para conhecer em geral como estávamos e o que havíamos fazendo depois do rompimento do nosso relacionamento, optando por não pormenorizar o assunto quando ela mencionou a construção do seu álbum. Não tinha a menor das dúvidas de que inúmeras faixas musicais detinham como inspiração o nosso companheirismo de anos e a minha decisão de o quebrar mas decidi que não queria entrar por ali pois não recebera da forma mais positiva as críticas que me haviam feito após o lançamento de "Broken Apologies". Não era de considerar os pensamentos das outras pessoas no que à minha dizia respeito quando os mesmos eram compostos por concepções que não correspondiam à verdade, no entanto, fora-me impossível ficar indiferente aos rumores de traição, sobretudo, quando nenhum e em momento algum ocorrera. Acima e independentemente de tudo, estava grato por a cantora de profissão ter intercedido em meu bom nome após a propagação pela comunicação social e em público mediante a sua intervenção numa das rádios portuguesas.
Num certo instante da conversa, vislumbrei o meu lado, onde supostamente se situavam os restantes presentes que me tinham acompanhado para a disputa futebolística, não confrontando nenhum deles. Imediatamente, procurei pela exata localização de todos mas, especialmente, de Isaura, desvendando-a abancada num dos assentos, na companhia de todos os outros. Distribuía a sua concentração entre o seu dispositivo móvel e o relvado e pela posição em que o seu iPhone se encontrava, deduzi que procurava registar fotograficamente o campo e o que ocorria no seu interior – os exercícios de aquecimento protagonizados por ambas as formações em disputa –, possivelmente para remeter para algum dos membros da sua família ou, até, amizades na França ou Inglaterra. O meu estômago revirou ao conjecturar a probabilidade de o remetente ser do sexo masculino e engoli em seco, procurando afugentar aquela índole de pensamentos que não exerciam qualquer efeito positivo em mim. A sua postura corporal e, até, expressão facial denunciavam o desconforto que vivenciava. E eu estava, perfeitamente, consciente acerca do que o motivava.
— Ela é a tua nova namorada? Ou, pelo menos, alguém com quem andas a falar? — A voz de Mariana impediu-me a regressar à realidade envolvente e, consequentemente, devolver o castanho das minhas órbitas às suas de uma idêntica tonalidade.
— Não acho que queiras que eu responda a essa pergunta, Mariana. — Repliquei com honestidade, não desejando provocar-lhe mais qualquer dano emocional mas, também, não era capaz de a tentar enganar. Não quando era óbvio que ela tinha apresentado aquela questão por me ter apanhado em flagrante a fixar a tensa mas, sempre, atraente figura de Isaura.
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Senhora de Si | Rúben Dias
RomansaOnde Isaura, tão senhora de si, permite-se ser de alguém que não dela mesma.