Na manhã seguinte, programei o relógio despertador para um horário bastante mais precoce do que o considerado normal. Eram cerca das seis da manhã quando o ruído provocado pelo alarme do meu iPhone XI irrompeu pelo interior do espaço. No imediato, desativei o mesmo, permanecendo durante um par de segundos na cama e em completa imobilidade, para assegurar-me que o som incómodo não havia provocado qualquer despertar indesejado.
Depois de compreender que a moradia conservava-se mergulhada num expectado silêncio, abandonei o conforto dos lençóis e dirigi-me para a casa de banho, a fim de tomar o meu banho matinal, que foi breve mas eficaz e relaxante o suficiente, distendendo, ainda que ligeiramente, a tensão que caraterizava os meus músculos e que era provocada pela agitação que vivenciada com a condução que teria de realizar no Mercedes de Rúben, em direção aos seus aposentos e apenas na minha própria companhia.
Era, também, por isso que desejava sair de casa ainda antes de qualquer dos outros adultos dela acordarem. Assim, não deteriam a oportunidade de envolver-me num enxoval de questões sobre o porquê de um automóvel topo de gama encontrar-se estacionado no exterior da nossa moradia, quem era o seu proprietário – pois, claramente, não era eu –, bem como onde havia desvendado a coragem para assumir a sua condução quando era mais do que evidente que confrontava inseguranças no que à mesma respeitava. Para além disso, o horário precoce era significado de um reduzido número de veículos em circulação nas diversas estradas, o que me apaziguava, ainda que só ligeiramente, a agitação. Na noite anterior, sabia que a valentia demonstrada no domínio do volante da viatura tinha sido incitada, também, pelo facto de Rúben estar do meu lado e a incentivar-me de modo constante. Todavia, naquela manhã, uma parte da viagem seria realizada sozinha e ainda não confiava, totalmente, em mim própria.
Os meus pensamentos voltaram a provocar o enrijecer do meu corpo e considerei que já era tempo de abandonar o banho. Optei por secar bem os meus longos e acastanhados fios com a toalha, prescindindo do secador e do seu certo ruído. Enxaguei o corpo humedecido e enverguei o conjunto selecionado, rematando a responsabilidade com o mergulhar dos pés nos ténis brancos do modelo All-star, produzidos e comercializados pela marca Converse. Antes de afastar a porta cerrada, aguardei por outros escassos instantes, averiguando sobre a possível presença de algum dos membros da minha família paterna no exterior do compartimento, indiciando o seu estado desperto. No entanto, o silêncio que permanecia a reinar no interior da habitação era um indício favorável para mim. Abandonei a casa de banho e dirigi-me à cozinha, com um enchente de ideias a tomar de assalto os meus pensamentos acerca da possível refeição a realizar naquelas primeiras horas do dia após o despertar. Mas as hipóteses reduziram-se a quase nenhuma por envolverem o uso da varinha mágica e, naquele momento, estava completamente fora de questão a sua utilização.
— Sorry, Michelle. — Na companhia de uma fraca risada, colhi o prato que albergava a tapioca que confecionara ontem para o nosso lanche mas que a minha madrasta não comera a sua pois o seu escasso apetite não a incitara a tal.
Daquele modo, estabeleci que aquele seria o meu pequeno-almoço, bem como uma sobra do smoothie de frutos vermelhos e banana que tinha preparado para acompanhar o prato, tipicamente, brasileiro. Apesar de tanto o meu pai como a médica dentista serem portadores das habilidades técnicas para a cozinha, ainda assim, sempre que possível, era eu que me responsabilizava pela mesma e pelas refeições, pois, segundo os próprios, os meus pratos eram como nenhuns outros. Os meus irmãos eram os próprios a afirmar e reafirmar que, para além da minha mãe – cujo talento culinário já tinham tido a oportunidade de testemunhar e saborear por diversas ocasiões nas férias –, eu era a sua cozinheira predileta. O maior elogio que poderia receber.
Degustei os alimentos com tranquilidade e em quase puro silêncio enquanto visitava as diversas páginas das redes sociais, ainda que efetuasse um uso raro das mesmas. O meu dedo realizou um automático movimento na lupa da procura, rapidamente, digitando o nome do camisola três do Manchester City. Já havia visitado a sua página de perfil, logo que desvendara a sua identidade, mas nunca detivera a coragem suficiente para efetuar uma pesquisar e apreciação mais profunda da sua página. O azul dos meus olhos esbugalhou ao compreender o quase milhão de seguidores que ele estava na iminência de alcançar.
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Senhora de Si | Rúben Dias
RomanceOnde Isaura, tão senhora de si, permite-se ser de alguém que não dela mesma.