— Isaura, estamos a começar a descer em direção ao Humberto Delgado. — A voz de Rúben invadiu-me a membrana timpânica, impelindo-me a um indesejado despertar pois estava a apreciar o sonho que o meu subconsciente me tinha feito idealizar.
— Dormi muito? — Questionei, preservando os olhos cerrados e as minhas mãos envoltas nos seus tonificados braços, apreciando o contacto entre nós. A sua mão repousava na minha coxa, possivelmente, tendo-a conduzida ali enquanto descansava mas, em nada, me senti desconfortável com aquela sua iniciativa – muito pelo contrário.
— A viagem, praticamente, toda. E babaste a minha camisola. — Quando confrontada com as suas palavras, no imediato, abandonei o seu ombro e procurei pelos vestígios do que ele mencionava, já sentindo a minha face enrubescer, apenas para compreender que ele estava, efetivamente, a equivocar-me.
Disferi-lhe um golpe no braço, mas sem empregar vigor suficiente para provocar-lhe qualquer dano físico, e que o conduziu às gargalhadas.
— És um idiota, é o que é! — Exclamei, em nítida censura para com a sua brincadeira de mau gosto.
— Porquê a preocupação? Afinal, babas-te enquanto dormes? — Zombou e ergui-lhe o dedo do meio, logo arrependendo-me ao denotar que não nos encontrávamos somente na companhia um do outro e que os restantes presentes eram merecedores do respeito que o gesto obsceno, certamente, não transportava consigo.
— O meu irmão diz que sim, que isso aconteceu uma vez numa viagem que fizemos desde a França até Inglaterra. Diz que fui a babar-me no seu ombro. — Revirei os olhos pela recordação. — Mas não acredito. — Intercedi em prol da minha inação, crente de que Carter tinha-me enganado com idêntico propósito ao de Rúben.
— Não te preocupes. O meu ombro está limpo. — Permanecendo com um sorriso humorado a ornar-lhe os convidativos lábios, colocou termo na brincadeira. — Estamos prestes a aterrar.
— E tu? Como te sentes para reencontrar a tua família, após algum tempo? — O meu sorriso irrompeu com o ressurgir do dele.
— Entusiasmado. — Num primeiro momento, respondeu e o meu curvar de lábios ampliou. — Saudoso. — Acrescentou. A sua adição instigou-me a encontrar o conforto do seu atlético peito, num abraço que ele não hesitou em corresponder com idêntica intensidade.
— Lembra-te que está mesmo muito perto. — Sussurrei, beneficiando da proximidade para lhe dispor um beijo no queixo. O meu ato foi tão espontâneo que até me surpreendeu. Também o atleta de alta competição demonstrou-se surpreso para com a minha tomada de iniciativa mas não a repeliu ou, sequer, exibiu a satisfação provocadora no olhar ou no sorriso. Ao invés, a sua boca curvou-se para cima com gratidão e um genuíno contentamento para com a minha presença e, também, espécie de companheirismo que lhe oferecia naquele momento. — Aliás, muito perto mesmo. — Repeti, assim que as rodas da aeronave pisaram a pista de asfalto, conquistando sons de comemoração por parte de inúmeros dos que ali estavam.
Brindei-lhe com um último sorriso e retornei à minha anterior posição, quebrando o contacto físico e, consequentemente, a quase nula distância, antes, existente entre os nossos rostos. Era palpável o meu constrangimento, quando a minha anterior ação começava a interiorizar-se e eu começava a compreender o que tinha tido a coragem de fazer. Assim que foi-nos concedida autorização para abandonar a parte interna do transporte mais seguro do mundo, respeitámos a ordem a que cada um foi saindo e prosseguimos na direção das instalações e da sua zona de chegada, onde os progenitores do jogador aguardavam, expectantes, pelo reencontro com ambos os seus rebentos.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Senhora de Si | Rúben Dias
Storie d'amoreOnde Isaura, tão senhora de si, permite-se ser de alguém que não dela mesma.