Após tomar um banho relaxante e quente, procedi à breve secagem dos meus acastanhados e longos fios, para que o ruído provocado pelo produto eletrónico não causasse qualquer incómodo, e desvendei o meu entretenimento durante um considerável período de tempo no kindle ainda composto pela maioria da sua bateria e deliciando-me com a narrativa da norte-americana Colleen Hoover. Por entre a frutífera e enriquecedora leitura, repliquei a algumas mensagem de texto remetidas pelos meus pais e por Michelle, que questionavam como havia decorrido a viagem em direção a território nacional e como era retornar ao país que me acolhia como um dos seus milhões de filhos, independentemente do curto ciclo da minha vida enquanto habitante do país da língua de Camões. O contacto com os meus entes queridos despontou a natural saudade e fi-los harmonizar comigo numa vídeochamada para o dia seguinte, no entanto, deixando que fossem as minhas incumbências e o seu término a determinar qual o momento daquelas vinte e quatro horas seria o mais propício a realizar uma ligação via FaceTime com as minhas duas famílias.
Quando pousava o dispositivo móvel no meu flanco direito e no cimo do colchão, para devolver a minha concentração ao E-reader, a luminosidade do seu visor voltou a ser acionada, daquela vez pela entrada na caixa de mensagens de uma comunicação textual que tinha como emissor o rapaz sito a alguns metros de distância de mim por encontrar-se no piso inferior.
"Estás bem? Precisas de alguma coisa? Põe-te à vontade, Isaura. Faz de conta que estás em casa. Aliás, não faças de conta porque estás, efetivamente, em casa." Exibia-se perante o azul da minha retina e um involuntário sorriso irrompeu nos meus lábios. No mesmo instante, apartei o meu, ainda escasso, foco do leitor digital e segurei a inovação tecnológica entre as minhas mãos, premindo os diversos vocábulos que constituíam o teclado e digitando a resposta de que o amadorense era benemérito.
"Estou bem, Rúben. És um querido, muito obrigado! Dividida entre a minha leitura e o assistir, mesmo sem ver, do vosso jogo de futebol. Parece que está interessante e, pelos palavrões que, esporadicamente, soltas, eu diria que estás em desvantagem. Afinal, és mais uma prova viva de que não se pode ser bom a tudo, Rúben Dias? E eu a pensar que eras a excepção, Gato. 😉"
Soltei a provocação, sentindo as maçãs do meu rosto contrair uma tonalidade avermelhada, assim que as minhas perlas deslizaram pela resposta remetida escassos por mim instantes antes, por compreender o que havia acabado de dizer.
"Ah, Gato com letra maiúscula. Pois então, a menina andou a pesquisar sobre a minha excelentíssima pessoa?" A sua réplica não demorou a alcançar-me e não contive uma gargalhada, ainda antes de, sequer, colocar termo na sua leitura. Prossegui. "Continuo a ser a excepção. 😉 No entanto, desde que foste para o quarto, que estou a perder. Parece-me que és o meu amuleto da sorte."
A incessante provocação e, até, galanteios somente amplificavam o desejo que eu possuía de vê-lo concretizar tudo o que fazia questão e detinha a audácia suficiente para falar. Optei por dividir a minha resposta em duas, sobretudo porque vivenciava uma certa insegurança relativamente à forma como desejava responder à segunda parte da sua mensagem. Sabia o que queria escrever mas pairava na atmosfera a incerteza sobre se o deveria fazer.
"Está na tua ficha do clube, seu banana. E eu, como funcionária dele que te iria acompanhar, precisei de o consultar para algumas burocracias." Num primeiro momento, optei por replicar e enviar. Posteriormente, os meus dedos flutuavam no ar enquanto os meus pensamentos ruminavam se deveria ou não avançar. Acabei por o concretizar. "E não sou o teu amuleto da sorte porque tu não precisas dela. Aliás, és tu que fazes a tua própria sorte pelo simples e grandioso facto de a seres."
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Senhora de Si | Rúben Dias
RomanceOnde Isaura, tão senhora de si, permite-se ser de alguém que não dela mesma.