11. Isaura Mourinho

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Na manhã do dia seguinte, ainda nem o relógio despertador havia dado o ar da sua graça pelo interior do espaço e já eu vagueava por ele, com as toalhas do banho que tomara envolvidas no meu corpo e nos meus longos e acastanhados fios. Enverguei a minha roupa interior e depositei a minha concentração nos dois conjuntos selecionados na noite anterior mas que não conhecia qualquer queria trajar para aquela data. No meu mais ínfimo ser, conhecia que concedia preferência mais a um do que a outro mas os planos delineados é que deveriam responsabilizar-se pela decisão definitiva. No entanto, e uma vez que não os conhecia ou, não sabia sequer se os teria, optei pelos calções high waist claros e o top curto e branco, que colocava à exposição uma porção da minha tez morena, e rematei-o com o mergulhar dos pés nos ténis Converse, de uma cor idêntica à parte de cima vestida, no estilo bota. Os atacadores foram colocados em volta do meu tornozelo, visto que não era apreciadora de os ver atados e suspensos no cimo da sapatilha, e regressei à casa de banho privativa, a fim de realizar a minha higiene facial, que era muito simples e que consistia na limpeza através da água micelar, de um creme próprio recomendado pela dermatologista que consultava esporadicamente – e que se havia convertido numa rotina após a batalha que travara contra o acne no decorrer da adolescência –, e, por fim, protetor solar. Devido à não tão quimérica possibilidade de muitos dos habitantes, quer os de sempre quer os de forma temporária, encontravam-se imersos num profundo descanso, determinei que os meus cabelos secariam naturalmente, pelo que restringi-me a deslizar a toalha neles por um par de minutos e, posteriormente, a escova.

— Talvez um corte, por tão pequeno que seja, não lhe ficaria mal. — Falei para mim, ao mesmo tempo que visualizava o meu retrato no espelho suspenso na parede em posição frontal a mim, e os meus dedos imiscuíam-se nos fios ainda humedecidos.

Exibi um erguer de ombros e, mais uma vez, de tantas outras que já parecera naquela primeira hora do meu dia, retornei para divisão principal do aposento destinado a visitas e hóspedes, colocando o meu inseparável relógio de pulso no esquerdo, os três pares de brincos que adornavam as minhas orelhas devido aos furos realizados no primeiro e último ano da minha licenciatura e, por fim, o fio de aço inoxidável, que só retirava para dormir, e que consistia num pingente de uma bailarina – um dos muitos presentes da minha falecida tia-avó. Desde o momento em que o recebera e até àquele em que me iriam tirá-lo definitivamente, que já sabia que era um dos meus prediletos. E queria que Colleen, a minha pequena irmã, um dia, ficasse com ele e o usasse, caso se revelasse o seu desejo.

Os meus devaneios foram suspensos pelo irromper do ruído propagado pelo alarme e, num ápice, fui veloz a alcançar a mesa de cabeceira e proceder ao desativar do mesmo, almejando que não se tivesse relevado o suficiente para provocar o precoce despertar de algum dos restantes presentes na moradia.

       — Porque é que eu sou tão naba nas tecnologias ao ponto de não saber mudar um toque de alarme para outro menos irritante? Que irritante! — Bati o pé, renunciando antecipadamente a qualquer tentativa de reverter a situação naquele momento quando detinha a perfeita consciência de que iria exigir de mim algum tempo, que eu não possuía, e dispêndio de energia que dava primazia a dirigir para outro foco naquele momento.

       Resgatei a inovação tecnológica da superfície da mesa de cabeceira e inseri-a no bolso frontal dos meus calções jeans, logo abandonando o conforto do aposento. Imprimindo cuidado em cada passada que dava, completei o processo de apear a escadaria e encaminhei-me para a divisão da cozinha, nunca desperdiçando a oportunidade de vislumbrar e, sobretudo, deslumbrar-me com a contemporaneidade e amplitude que caraterizavam o espaço idóneo à confecção de cada refeição. Considerava qualquer cozinha que pisasse como o meu sacrário. E aquela não era distinta. Por si só, já transmitia aquela aura de positivismo e da sensação de que era capaz de alcançar o que quer que fosse ali, exatamente, porque ali eram-me ofertes a integralidade das condições para concretizar cada um dos meus intentos.

Senhora de Si | Rúben Dias Onde histórias criam vida. Descubra agora