No momento em que imobilizei o meu Mercedes no parque de estacionamento interior do edifício habitacional, soquei o volante, daquele modo, descarregando uma parte considerável da minha frustração. Sabia que iria aceitar rapidamente mas precisava de desoprimir o que estava a sentir e não desejava fazê-lo na presença do meu irmão pois era algo que pretendia despojar-me com a idêntica velocidade com que me tinha atingido.
Resgatei o meu saco de treino do banco do passageiro e abandonei a viatura, encaminhando-me para o hall principal do prédio e, posteriormente, para o elevador que me conduziu para o piso que albergava a fração autónoma que me pertencia. Logo que rodei o objeto de metal na fechadura e a porta abriu, o aprazível aroma de arroz e bifes, recentemente, grelhados invadiu as minhas narinas, despontando o apetite, até então, comedido.
— Estás de master-chef? — Anunciei a minha presença no espaço através da questão provocadora.
Ivan, que até então dispunha o castanho das suas órbitas na frigideira que continha a carne de frango, elevou-as na minha direção, brindando-me com um breve sorriso.
— Estou de cozinheiro. Agora até master-chef, vai uma diferença grande. — Aderiu à brincadeira, fazendo-me rir. Pousei o acessório no assento do balcão ao meu lado e observei-o imerso na sua incumbência. — Então? O que disse o departamento médico? Nunca me respondeste às mensagens. Thanks for nothing, by the way.
Não fosse a seriedade do assunto e teria rido da sua mistura entre o inglês e o português.— Vou ficar parado de um mês a um mês e meio... — Revelei, confrontando o sabor amargo daquelas palavras e que estava presente sempre que as proferia.
No imediato, procurou pelo meu olhar e era claro que se encontrava preocupado comigo.
— Como é que estás? — Questionou com cuidado.
— Estou como quem não está habituado a parar e agora vai ter que estar parado. — Libertei um suspiro de autêntica frustração. — Mas vou ficar bem. Sabes que não deixo nem posso deixar-me afetar por isto. É mais focar no modo como ultrapassar e trabalhar para que seja o menor tempo possível de paragem. — Acrescentei, já mergulhando na mentalidade que era, naturalmente, adotada por mim desde tenra idade.
— Não há ninguém como tu para superar. Fazes isso com uma perna às costas. — Dirigiu-me uma piscadela e sorri-lhe com gratidão. — Vamos comer? Confesso que cozinhar abriu-me o apetite. — Indicou na direção da sala das refeições, que era contígua à ampla e contemporânea divisão da sala de estar, cujo televisor exibia um jogo de futebol do campeonato espanhol via canal televisivo da ElevenSports. A aderência aos transmissores portugueses era uma forma de permanecer ocorrente da forma como decorria as diversas competições futebolísticas, sobretudo, a Liga Nos, apesar de não ter o tempo que desejava para sentar-me a apreciar o futebol jogado pelo (meu) Benfica.
— Vamos. Depois disso, preciso de fazer a mala para levar para Portugal. Uma coisa rápida. — Proferi, auxiliando-o a transportar os diversos tabuleiros para o centro do móvel transparente. — E tu? Já fizeste as tuas?
— Já. Fiz durante a tarde, depois de dar um último passeio pela cidade. Comprei algumas lembranças para os pais e a avó. Por falar neles, já falaste com eles sobre a lesão?
— Sim. A mãe ligou-me antes do almoço. Estávamos a ver as diversas convocatórias que estavam a ser transmitidas mas, depois, liguei de volta e falámos um bocadinho. O pai ligou-me também. — Revelei, abancando na cadeira que, usualmente, ocupava.
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Senhora de Si | Rúben Dias
RomanceOnde Isaura, tão senhora de si, permite-se ser de alguém que não dela mesma.