O azul dos meus olhos percorria o ecrã do Kindle e, consequentemente, as páginas do exemplar digital de "Ugly Love", da autoria de Collen Hoover, naquela que era a terceira vez que procedia à leitura do romance e, simplesmente, amava por proporcionar-me idênticas sensações aquando da estreia.
No entanto, já há algum tempo que não fixava o conteúdo inserido no romance pois as tuas palavras ruminavam a minha mente, provocando o turbilhão nos meus pensamentos, geralmente, organizados e subjugados ao domínio da minha racionalidade.
"Quero mais disto." Não tinha a menor dúvida de que o principal significado daquela tua frase não estava relacionado com as gelatinas apreciadas por todos que havia confecionado. Mas, sim, pelo jogo que, desde a tua primeira vez no autocarro, tínhamos jogado. Apesar do intervalo de setenta e duas horas decorrido, as palavras permaneciam a ter um efeito idêntico à primeira vez que as havia escutado.
Os portugueses Bernardo Silva e João Cancelo tinham feito questão de nos apresentar por, tal como eles, partilharmos as mesmas origens, apesar de me considerar mais francesa do que portuguesa. A tua mão tocou a minha num aperto até que os teus lábios foram ao encontro de ambas as minhas bochechas. Senti as minhas pernas tal como a gelatina que havia feito: sem firmeza e solidez mas obriguei-me a reencontrá-las ou acabaria por cair no teu colo e denunciar o que ninguém sabia. Nem mesmo nós, que ainda procurávamos saber mais, ainda que quase sem sair do mesmo lugar. Apresentaste-te, embora eu já soubesse o teu nome, mas escutar a tua voz de tão perto foi indiscritível. Era grave e rouca. E as palavras que abandonavam os teus lábios atraentes e convidativos assemelhavam-se à segurança com que falavas. Tudo o que dizias, cumprias. Tudo o que falavas, acreditavas. E querias fazer acreditar. Tinhas o dom da palavra. Mesmo que ainda não me tivesses dirigido assim tantas. A tua presença masculina e viril somente intensificava a atração que já nutria por ti. Eras, incrivelmente, bonito. Não só no físico que apresentavas mas, sobretudo, na forma como te davas. E ainda nem te tinhas dado como sabia que querias e conseguias.
As borboletas no interior da minha barriga esvoaçaram pelos meus pensamentos acerca da tua pessoa e um involuntário suspiro escapuliu por entre os meus lábios. A positiva agitação no meu baixo ventre incitou ao surgir da tonalidade avermelhada nas minhas bochechas, pelo que, no imediato, optei por colocar um travão na índole da minha reflexão e no que ela se começava a tornar. Não era desconhecedora daquelas sensações e faceta de uma relação mas, ainda assim, ao imaginá-la contigo provocava-me uma agitação e insegurança que, com o meu único namorado, nunca sentira. Era como se fosse mais importante o que tu pensavas de mim e o receio de que não gostasses do que conhecesses, porque era óbvio que gostávamos do que víamos.
O estridente ruído provocado pelo despertador programado irrompeu pelo interior do meu espaço pessoal, indicando que era o horário propício a colocar um termo no meu momento de lazer naquele sábado e começar a aprontar-me pois seria a primeira vez, desde que iniciara funções de cozinheira auxiliar na instituição inglesa do Manchester City, que iria acompanhar o chefe principal – Mirco –, no autocarro para que, aquando do término da partida futebolística e do consequente regresso dos jogadores, pudéssemos distribuir as refeições que, no decorrer do período regulamentar e de compensação, iríamos confecionar.
— Quem é que está no banho?— Questionei, ao adentrar a sala de estar, onde se situavam o meu pai e a minha madrasta.
— O Carter. — Michelle replicou, no instante em que a água do chuveiro cessou a sua pressão, indicando o término do tempo dedicado à higiene por parte de um dos meus irmãos. — Vais trabalhar agora à noite, não é, querida? — Movimentei positivamente com a cabeça aquando da sua questão, não camuflando, igualmente, o meu sorriso entusiasmado pela oportunidade que me havia sido dada.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Senhora de Si | Rúben Dias
Roman d'amourOnde Isaura, tão senhora de si, permite-se ser de alguém que não dela mesma.