03. Rúben Dias

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      Era claro que te encontravas tão surpresa quanto eu. Os movimentos das nossas pernas haviam cessado para que os nossos olhos pudessem, por fim, consumar o contacto visual, imensamente, desejado. Abri a boca somente para a voltar a fechar. Queria falar mas nem sabia o que pronunciar. No mesmo instante, o teu encantador azul encontrou o chão de tijolo, numa nítida expressão da tua inibição.

       — Trabalhas aqui?! — Foram as palavras que, assim que readquiri a capacidade de verbalizar, fui capaz de exteriorizar.

       Logo de seguida, quis recuar e exercer uma reação, completamente, distinta daquela mas esperava tudo menos que fossemos colegas de trabalho, ainda que em funções, obviamente, díspares. No entanto, e quando me aprontava para elaborar e pelo teu nome questionar, um cachaço na minha nuca convidou-me a girar sobre os meus próprios calcanhares e ir em busca da identidade do indivíduo que havia tido a rica ideia de interromper o nosso momento. A figura do lateral-direito, e um dos palhaços de serviço do nosso grupo, o britânico Kyle Walker, surgiu perante o meu campo de visão. Um sorriso trocista decorava os seus traços faciais e o meu imediato revirar de olhos afigurou-se inevitável.

       — Bom dia, centralão! — O defesa de trinta e dois anos de idade envolveu o meu ombro com um dos seus braços enquanto as nossas mãos encontravam-se no cumprimento usual. — Andavas a namoriscar com a miúda? — Desconsiderei a sua provocação quando denotei que utilizara o tempo verbal do pretérito imperfeito.

       Sem hesitar, e nem pensando nas consequências do meu ato seguinte, voltei a virar-me na direção onde, supostamente e antes, te encontravas, descobrindo o espaço já ausente da tua presença. Um automático suspiro povoado pela frustração evadiu-se por entre os meus lábios e, por breves instantes, cerrei as pálpebras, já só desejando por um reencontro.

       — Damn, não me digas que estavas mesmo a tentar fisgar a moça. — O camisola dois da instituição inglesa demonstrou-se, ligeiramente, constrangido por ter sido o causador da interrupção da minha suposta oportunidade contigo.

       — Bom dia. — Num primeiro momento, correspondi à cordial e respeitosa saudação. — E não, não andava a tentar fisgar a moça. — "Então, o que significam os olhares no autocarro?", o meu subconsciente interveio, claramente, do lado do meu companheiro de balneário e prezada amizade. — Só me cruzei com ela e não a reconheci antes, pelo que estava prestes a perguntar-lhe se trabalhava aqui e qual o seu nome. — Revelei com a meia verdade, pois era claro que aquele não era, de todo, o nosso primeiro contacto, e almejando que, através das minhas palavras, o internacional inglês me pudesse oferecer qualquer informação que me auxiliasse a um desvendar mais breve da tua identidade. — Conhece-a?

       — Sim, claro. É a... — O arremessar de um corpo para as cavalitas de Kyle obstruíram-no de prosseguir e a minha frustração conheceu níveis superiores àqueles, já elevados, onde se situavam.

       Praguejei mentalmente o meu colega de posição tática, John Stones – e o responsável pelo arremesso para as costas do lateral – ao mesmo tempo que observava a gradativa chegada de inúmeros outros jogadores de futebol que, consoante o alcance do seu destino, uniam-se a nós, enveredando pelos mais diversos tópicos de conversa até que recolhemos aos balneários, a fim de iniciarmos a nossa preparação para o primeiro treino do dia. Durante a integralidade do tempo em que substituímos as nossas roupas casuais pelo conjunto de treino dos blues mantive-me, involuntariamente, absorto, enquanto conjeturava as inúmeras possibilidades em que poderias trabalhar no interior daquele. Desde a cozinha, passando pela lavandaria, não esquecendo os diversos departamentos, via-te a ser capaz de fazer qualquer coisa.

       Um renovado golpe na minha cerviz impeliu-me a regressar à realidade e suspender os meus pensamentos.

       — Caralho, mas hoje vocês decidiram alugar a minha nuca para descarregarem as vossas frustrações? — Vociferei para Bernardo, o responsável pelo gesto que provocava, naquele momento, latejos na parte posterior do meu pescoço.

Senhora de Si | Rúben Dias Onde histórias criam vida. Descubra agora