05. Isaura Mourinho

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A cada vez que o teu pé pisava a embraiagem para modificar o câmbio de velocidades, um esgar do teu rosto afigurava-se inevitável. Era evidente o desconforto que sentias nos movimentos que realizavas, o que somente amplificava a apreensão que sentia.

       — Rúben, pára o carro. — Requeri, sentindo o meu ritmo cardíaco detonar por conhecer o que estavas prestes a sugerir fazer.

       Naquela mesma noite, já tinha extravasado limites que, na minha ótica, não iria ultrapassar tão precocemente. Considerava necessitar de mais tempo para lidar mas, naquele momento, aquela era uma situação que me constrangia a ultrapassá-los. E, talvez, tivesse sido, exatamente, isso que eu precisara e não conhecia precisar: o de sair da minha zona de conforto motivada por ocasiões stressantes.

       — Porquê? Estás bem? — O rouco e grave timbre da tua voz, naturalmente, atraente nunca deixava de me provocar um arrepio, apesar de não ser a primeira vez que o escutava. No entanto, impeli-me a desconsiderar aquela índole de pensamentos e focar a tua questão.

       — Eu? Sim. Mas tu, claramente, que não. — Num primeiro momento, ripostei. — A cada vez que pisas a embraiagem, porque vais até lá ao fundo, fazes uma careta, que é expressão da tua dor.

       — Vou ficar bem. Amanhã, vamos analisar melhor a lesão e, até há pouco, não me doía. — Era claro que mentia.

       — Rúben, pára o carro, por favor. — Daquela vez, adicionei duas palavras que demonstravam a minha súplica para com o meu pedido pela segunda vez.

       O atraente moreno acabou por a acatar, imobilizando o seu sumptuoso Mercedes na beira da estrada quase vazia que percorríamos. Assim que cessou o funcionamento do motor, não hesitei em abandonar o interior, torneá-lo e abrir a porta do motorista, convidando-o a sair. Ele, logo, compreendeu quais as minhas intenções. Assim que desocupou o banco, ficámos frente a frente, no imediato, compreendendo a nossa ligeira diferença de alturas. Acabei a soltar uma fraca risada que o contagiou.

— O que estás a fazer? — Questionou.

       — Acho que sabes o que estou a fazer, Rúben. É claro que estás com dores e eu não consigo suportar ver-te reprimi-las porque tens de conduzir. Aliás, nem sei porque te deixaram vir embora.

       — Porque eu disse que não sentia dores assim e, até um certo ponto, era verdade. Só um desconforto que foi tratado com uma pomada e um spray que, supostamente, ajudaria a aguentar até amanhã.

       — Mesmo assim... — Não me mostrei demovida. — Agora, vai para o lado do passageiro e deixa-me ocupar o volante. Prometo que não te estrago o carro. — Prometi, sobretudo, tentando convencer-me a mim mesma.

       O pânico estava instalado por todo o meu ser mas era reprimido com uma inigualável força que eu desconhecia possuir.

       — Não estou preocupado com a porcaria do carro mas, sim, contigo. — A sua afirmação despontou-me confusão. Ele prosseguiu. — Se estás disposta a conduzir o meu carro, é porque tens carta de condução. E sabes conduzir. No entanto, vais e vens de autocarro, o que significa que ou não tens outra forma de vir, o que não acredito, ou tens medo de conduzir, que é o meu palpite principal. — Engoli em seco, desviando o meu olhar para o pavimento de alcatrão. Os meus gestos haviam-me denunciado por completo e lhe concedido a razão que ele já deduzia pertencer-lhe. — Não quero que faças algo com que te sentes desconfortável por causa de mim. Estás aterrorizada, Isaura.

       Era a primeira vez que proferia o meu nome e o impacto que exerceu na minha pessoa foi imenso. Por momentos, fechei os olhos e apreciei o que tinha ficado na minha mente.

Senhora de Si | Rúben Dias Onde histórias criam vida. Descubra agora