Um

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Rafaella Kalimann mexeu o ombro esquerdo apenas alguns milímetros. Depois, mais um pouco. Ela não poderia arriscar se mexer demais. Droga, esse era um momento muito inapropriado para sentir coceira na clavícula. Em pé e de frente para cento e vinte convidados, fazendo o papel de madrinha profissional de Emily, sua mais nova cliente.

— É de livre e espontânea vontade que você aceita Max como seu esposo? — o vigário continuou com o discurso.

Rafaella segurou o buquê de flores com um pouco mais de força enquanto esperava as palavras saírem da boca da noiva. A coceira foi embora de repente. Isso era mais importante. Olhou para o cabelo perfeitamente penteado de Emily, os brincos de diamantes redondos brilhando sob a luz abafada da igreja. Nem ela poderia estragar o momento, não é?

Alguns segundos se passaram. Mais alguns.
Alguém na igreja tossiu de maneira inoportuna.

Por favor, Emily.

Rafaella olhou para Max, o noivo. Sabia que ele estava pensando a mesma coisa.

Sentiu um calor subir por suas costas, chegando ao pescoço. Acariciou a parte de trás do braço de Emily com a ponta dos dedos.

— Sim — Rafaella balbuciou, alto o suficiente para que Emily ouvisse, mas baixo o bastante para que Max não pensasse que era ela quem queria se casar. Isso não poderia estar mais longe da verdade. Emily e Max eram perfeitos um para o outro. Não exatamente um par romântico, mas biologicamente adequados.

Emily se retraiu e virou a cabeça. Rafaella franziu o cenho e fez um gesto para Max, esperando que Emily entendesse que ela realmente precisava responder à pergunta. Era a parte essencial de se casar. Presumiu que ela tivesse entendido. As duas praticaram tudo: andar, sorrir, fazer pose para fotos e até mesmo respirar, mas acabaram pulando a parte do “Sim, aceito”. Nesse momento, Rafaella percebeu que foi otimista.

Emily encontrou seu olhar antes de se virar novamente para o noivo e o vigário. Rafaella cerrou os dentes. De frente para Emily, Max repetiu as palavras sem som.

Finalmente, após mais alguns segundos agonizantes, ela respirou fundo e abriu a boca pintada de rosa brilhante.

— Sim, aceito — a noiva disse, sua voz ecoando alto e verdadeira. Quase como se realmente dissesse a verdade.

O alívio tomou a expressão de Max. Todos os convidados soltaram a respiração. Rafaella relaxou os ombros.

Ela conseguiu. Conseguiu fazer com que Emily chegasse ao altar, acalmou todos os seus anseios matrimoniais e impediu que ela tomasse champanhe demais enquanto estava sendo maquiada. Emily se comprometeu com Max. Essa era a tarefa que sua família deu a Rafaella quatro semanas atrás. A taxa por ser a falsa madrinha de casamento não dependia de a noiva chegar ao altar, mas com certeza tornava muito mais fácil enviar a cobrança.

— Eu vos declaro marido e mulher — o vigário disse. — Pode beijar a noiva!

Rafaella voltou sua atenção ao presente. Abriu um sorriso radiante para a câmera, algo que dizia que esse casamento foi fácil. Então empurrou os cabelos loiros na altura dos ombros para trás, endireitou a postura e alisou o vestido verde-claro como se fosse a melhor coisa que já vestiu. Não era. Não tinha forma e fazia com que ela parecesse um ramo de salsão.

Rafaella mal podia esperar para tirar tudo, colocar seu jeans e ir para o bar tomar uma taça de Sauvignon Blanc com os amigos.

Isso ainda estava nos planos. Só dali oito horas. Primeiro, tinha que aguentar o jantar, os discursos, e as danças até o fim. Pelo menos, não faltava muito.

Conforme Max se inclinou e tomou o rosto de Emily nas mãos, Rafaella se permitiu um sorriso verdadeiro. Certo, ela era cínica no que se referia a amor, mas essa parte sempre a enchia de esperança. O casamento era o começo de algo, uma página em branco em um relacionamento. Até para Emily e Max.

MADRINHA DE ALUGUELOnde histórias criam vida. Descubra agora