Vinte e dois

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Bianca entrou em seu apartamento no primeiro andar e fechou a porta atrás de si. Os únicos sons eram o da sua respiração e da tv dos vizinhos. Um casal de idosos que sempre a deixavam no volume máximo. Já tinha se acostumado com o som e sempre conseguia ignorar. Ainda assim, não sentiria falta disso quando se casasse com Martin e se mudasse dali. Seu coração acelerou com o pensamento.

Agora, não.

O apartamento estava com aquele cheiro de guardado, apesar de só ter ficado fora por quatro dias. Havia alguns copos de café vazios na mesa, assim como dois pratinhos. Foi até o sofá cinza e pegou as almofadas, arrumando-as. Então reorganizou os três controles remotos na mesa de centro e ajeitou a pilha de revistas de culinárias. Bianca fez a assinatura com a esperança de experimentar algumas das receitas. Ainda não tinha acontecido, mas lê-las servia de inspiração.  Foi até a cozinha, limpando alguns farelos. Colocou a água para ferver e caminhou até a geladeira. Estava sem leite. Teria que fingir que era italiana e beber café preto. Podia fazer isso.

Dez minutos depois, estava jogada no sofá e o café começava a esfriar. Não queria tomar. Não queria nada. A não ser por uma coisa. Então apoiou a cabeça nas mãos, esfregando o rosto. Ainda conseguia sentir vagamente o cheiro de Rafaella na ponta dos dedos. Ainda se lembrava da sensação de estar dentro dela. Excitante. Sexy. Fantástico. Balançou a cabeça.

No tempo que passou no táxi na volta para casa, ficou se perguntando o que fazer. Pegou o celular algumas vezes, encarando o número de Rafaella, e depois o deixava de lado. O que escreveria? “Foi ótimo transar com você no avião. Agora, sobre as flores do meu casamento...”. Não daria certo. Nada daria certo, e esse era o problema. Ficava tentando arrumar desculpas para não ligar para Martin e pedir para ele que fosse até sua casa para terem uma conversa. Até a ideia de ligar para ele era estranha. Eles não eram nada parecidos com Marcella e Rodolfo.

Talvez pudesse adiar o casamento, pedir um tempo para pensar. Ele ficaria magoado. Ia perguntar o porquê. E ela não poderia contar para ele. “Porque estou apaixonada pela minha madrinha de casamento. Sabe aquela que você contratou?” Não, isso acabaria com ele. E com ela também. Além do mais, teria que lidar com Marjorie. E todas as outras pessoas.

Respirou fundo. Que confusão. Deveria encontrar Rafaella no dia seguinte para conversar sobre o discurso. Mas conseguiria fazer isso? Se fossem se encontrar, teria que ser estritamente profissional. Isso aconteceria? Poderia confiar em si mesma? Nunca se considerou alguém que não inspirava confiança. Alguém incapaz de controlar suas ações. Mas foi o que aconteceu. Era o que sua madrinha fazia com ela. Rafaella a fez ver o mundo de uma forma diferente. Nesse final de semana, solidificaram uma conexão. Falou de coisas que não confidenciava há anos. Coisas das quais se esqueceu com sua vida ocupada. Trabalhar para caridade. Fazer a diferença. Não ser sugada pelo mundo corporativo. Quando sua vida havia escapado por entre os dedos?

Pegou o celular do trabalho e checou os e-mails. Tinha cento e cinquenta e dois. Não era ruim para quatro dias fora. Um dos primeiros chamou sua atenção. Era do seu chefe. Quando o abriu, viu que ele estava pedindo por uma reunião sobre “algo importante” na hora do almoço do dia seguinte. Talvez fosse sobre o projeto que ela queria liderar.

Bianca se endireitou. Amanhã? Quando deveria se encontrar com Rafaella? Droga.

Antes de conhecê-la, Bianca teria ficado muito empolgada com esse e- mail. Agora, nem tanto. Precisaria verificar se a madrinha poderia se encontrar com ela mais tarde. Já estava sentindo muito a falta dela.

Uma batida na porta fez com que pulasse.
Quando abriu a porta, o seu coração contraiu de tristeza. Sabia que não deveria ser a reação ao ver o noivo. A cabeça de Martin era quase invisível atrás do enorme buquê de rosas vermelhas que ele segurava. Havia um presente na outra. O coração de Bianca se afundou um pouco mais. Merda, ele tinha comprado um presente na despedida dele? Ela não havia trazido nada, a não ser um caminhão de culpa. Era uma pessoa horrível.

MADRINHA DE ALUGUELOnde histórias criam vida. Descubra agora