Oscar extasiava-se enquanto tocava a campainha dos Carvalho. Surpreendentemente, a porta não foi aberta por quem esperava. O sr. Carvalho, homem esbelto, elegantemente vestido, logo sorriu com a presença do garoto:
— Olá, Oscar!
— Olá, sr. Carvalho…
— Ele me pediu para atender a porta. Mas… é só entrar no quarto de sempre. Divirta-se com seu amigo — Sorriu.
Oscar andou em direção ao quarto de Eduardo, desconfiado. Ao abrir a porta, flagrou-o rabiscando em alguns papéis.
— Por favor, não me faça mais ver o seu pai. Ele age como se nós não estivéssemos namorando.
— É porque ele não sabe.
— Como assim? — ficou chocado.
— Meu pai é adorável, mas… eu tenho muito medo de contar pra ele…
— Bom, mas a sua mãe…
— Eu quero contar pra ele primeiro. E vou fazer isso. Hoje — falou, determinado.
— Ah, certo…
— Enfim, desculpa por… tudo. É que… amanhã eu tenho prova de biologia e… isso é exaustivo.
— Não, não, não tem problema. Mas… eu acho tão deprimente você estudar pra uma prova no dia do seu aniversário.
— É… — Riu levemente, mas queria chorar. Oscar, como se lesse sua mente, abraçou-o. Apenas depois de ser abraçado, começou a expelir água dos olhos, num simples lacrimejar que se tornou um guincho desesperado de agonia. — Eu… não aguento mais… E ainda estou no primeiro ano desse inferno… Eu não entendo… O… O que eu fiz p-pra… merecer isso?
— Nada, nada… Você é especial, você não merece isso… E eu… Eu consigo imaginar o quão difícil é ter que viver todo santo dia assim, se sacrificando nos estudos, mesmo exausto e deprimido…
— Eu… não… entendo. Eu não entendo. Os… Os professores… Eles são tão abusivos… — Oscar abraçou-o novamente, apertando suas costas nos seus braços e acolhendo suas lamúrias cotidianas. Aquele abraço foi terapêutico. Ele não seria findado até que Eduardo se acalmasse.
— Eu não gosto de ver você assim — murmurou Oscar, quase que sussurrando. — Eu te amo profundamente, e quero ajudar no que for possível… Os seus professores, as suas provas… Eu imagino o quão maçante isso deve ser. E eu me sinto um lixo por não poder fazer nada por isso…
— Não, não… Você ouvir o meu desabafo já é muito mais do que o suficiente. Eu… Eu te amo. Muito obrigado por estar me ouvindo.
Ao passo dessa última declaração, finalmente desfizeram o longo abraço, gradualmente. Eduardo tinha algo a mais para desabafar, mas decidiu não importunar o amante.
— Mas você tem conseguido interagir lá? — perguntou Oscar.
— Bom, na verdade… eu fiz alguns amigos.
— Amigos? Uau!
— É…
— Eu fico longe de você por alguns meses e você já me trocou, é isso?
— Ah, meu Deus, sr. Melodrama… — Riu um pouco.
— Mas… eu fico realmente feliz por você estar interagindo.
— Bom… Mais ou menos.
— Como assim?
— É só que… Muitos desses amigos eu conheci porque eles vieram até mim, e estão no mesmo semestre que o meu, então… Eu continuo bem tímido, e… isso vem me prejudicando demais.
— Ah… Bom… Existem muitas soluções pra esse problema.
— Existem?
— É claro! Você pode fazer um curso, de canto, de teatro ou de artes que envolvam se expôr, entrar num clube do livro, até arranjar um psicólogo…
Os olhos de Eduardo brilharam.
— Uau… Realmente. Eu acho que vou ver sobre isso… Desculpa por ter enchido você com meus problemas…
— Isso não tem problema, não, imagina! O único problema é que… você está esquecendo que dia é hoje…
— Aonde você quer chegar…?
— Eu preparei um presente. Não consegui comprar nada, mas… Eu tenho feito algo desde que nós nos conhecemos… — Oscar entregou um livreto para Eduardo.
— O que é isso?
— São poemas que eu escrevi pra você…
— Você não… Oh, meu Deus…
— Gostou?
— Eu… adorei! Meu Deus, isso é a melhor coisa que eu podia ganhar… E tem 129 páginas, meu Deus!
— Umas 100 são só declarações melosas…
— Cala a boca e aceita que o seu presente é a coisa mais perfeita do Cosmos, não, do Multiverso!
— Meu Deus, por que tanta agressividade?
— Porque agora eu tenho que criar um álbum de músicas pro seu aniversário!
— Não, não tem…
— Tenho sim! Meu Deus, eu… Eu não consigo nem… Muito… Muito obrigado… — começou a lacrimejar de emoção.
— Você é tão fofo chorando de alegria…
— Cala a boca! — Corou enquanto as lágrimas eram exprimidas de seus olhos.
— Fofo…
— Hm… Oscar…
— Oi?
— Nesse sábado… Eu combinei com os meus amigos pra comemorar o meu aniversário e… eles vão todos ir na cafeteria… Se você quiser…
— Ué… Mas você já não está comemorando?
— É que… As coisas são diferentes quando somos só eu e você…
— Em que sentido? — ironizou.
— No sentido que você quiser…
— Sempre suspeitei que você só se envolveu comigo pra me comer.
— Ei!
— Menti?
— Um pouquinho…
Os dois se aconchegaram um no outro.
O resto do dia passou normalmente. Aproveitaram os felizes momentos que tiveram, até que Oscar foi embora. Eduardo estava ansioso para contar ao pai o que devia ser contado.
O relógio avultava seus ponteiros: 23h16. O pai de Eduardo, Luiz, bebia café pacientemente no sofá, de pernas cruzadas. Seu filho passou pela sala, decidindo sentar-se ao seu lado.
— Oi, filho. Aproveitou o dia hoje?
— Sim… — Engoliu saliva.
— Você vai se encontrar com os seus amigos no sábado também, certo?
— Sim… Mas eu achei que seria melhor convidar o Oscar hoje, porque…
— Tudo bem. Eu não me importo.
— …porque ele é meu namorado, e eu achei que seria melhor se eu ficasse sozinho com ele.
— Que bom — O sr. Carvalho sorriu e bebeu mais um gole de sua xícara. — Sabe, filho… Antes de conhecer a sua mãe, eu tinha esse amigo… E ele… Eu nunca contei sobre ele pra sua mãe, mas… eu era apaixonado por ele. E isso só acabou quando eu descobri que ele era hétero, o momento mais triste de toda a minha vida. O que eu quero dizer é que… eu fico muito feliz quando vejo você com o Oscar, porque vejo em vocês um futuro que eu poderia ter tido. E não é como se eu não amasse a sua mãe (muito pelo contrário), mas… às vezes eu gosto de me lembrar de como eu amei o meu amigo.
Eduardo permaneceu pálido. Não acreditava no que acabava de ouvir.
— A bissexualidade é difícil — complementou o sr. Carvalho. — Eu demorei tempo demais para descobrir ela.
— Eu… Pai… Obrigado por me contar isso…
— Achei que eu deveria. Se você precisar de algum conselho sobre a sua sexualidade, você pode me chamar. Eu estudei sexologia um pouco, acho que vou conseguir responder.
— O-Obrigado… — Eduardo não mudou a incredulidade, apesar de que o sr. Luiz permanecia tão manso quanto no início da conversa.
— Pretende contar para a sua mãe?
— S-Sim… Eu… acho que ser gay é algo importante a se comentar…
— Não é. Mas avise sobre coisas que nós precisamos saber. E por favor, use camisinha se for fazer sexo.
— Ei! Mas é claro! — Eduardo corou.

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A Modos
RomanceOscar Andrade é um jovem poeta, maltratado pela vida. Eduardo Carvalho é um aspirante a músico, introspectivo aos excessos. Quando ambos se conhecem, um laço se forma entre os dois, que se estende aos seus amigos. Capa por Ester Araujo. Novos capítu...