08/02/2022

48 7 0
                                    

    Oscar acordou fatigado, mas dentro de pouco tempo se regozijou da noite exaustiva. Engomou-se em seu uniforme detestável e partiu até a escola.
    Ao arrumar-se propriamente, confundiu-se e levou seu empoeirado diário à escola. Como não escrevia nele há meses, leu a anotação mais recente: 29 de junho. Ah, que época viril e petulante, onde o jovem ingenuamente lutou contra a sistematização injusta de sua vida imunda! Obviamente, não deu certo, e a falha foi decepcionante a ponto de causar tentativas de suicídio nos meses seguintes. Após esse evento, talvez por causa de sua intensidade — tanto na afronta e rebeldia quanto na derrota infame —, ele ficou marcado com um trauma muito mais pungente do que os que ele já havia sentido. O esforço foi tão grande e esperançoso, e a perdição foi tão forte e humilhante, que ele nunca mais se voltou contra nada depois disso. Apenas seguiu com sua postura baixa e militarizada, esperando pelas punições tenebrosas. E, talvez por experiência, aprendeu a se acostumar. Assim o fez, também naquele dia.
    O intervalo chegava. Enquanto vagava pelo enorme e rico pátio, sem rumo, ouviu uma melodia única, já decorada, que ele jamais imaginaria ouvir naquele local. Enquanto cordas majestosas conduziam aquela sonoridade inigualável, o jovem Oscar perseguiu insanamente os barulhos que ouvia. E então, o condutor do violão começou a cantar. E seu ouvinte também cantou, enquanto perseguia sua voz pelas estradas infindáveis do pátio. Apesar da distância, os dois cantavam o mesmo trecho:

    “Estava à toa na vida, meu amor me chamou
    Pra ver a banda passar, cantando coisas de amor!”

    E aquela melodia cognoscível e formosa hipnotizou Oscar, que abriu todas as portas possíveis procurando pelo seu cantor.

    “A minha gente sofrida despediu-se da dor
    Pra ver a banda passar, cantando coisas de amor!”

    O estudante estava desesperado, procurava o tal vocalista por todos os recantos, mas de nada importava. Enquanto isso, a música continuava, nos dois lábios:

    “O homem sério que contava dinheiro parou,
    O faroleiro que contava vantagem parou, 
    A namorada que contava as estrelas parou,
    Para ver, ouvir e dar passagem…”

    Conseguiu ver um jovem tocando o violão, ao longe. Correu para encontrá-lo.

    “A moça triste que vivia calada sorriu,
    A rosa triste que vivia fechada se abriu
    E a meninada toda se assanhou
    Pra ver a banda passar, cantando coisas de amor!”

    — Espera! — gritou Oscar, ofegante.    O outro jovem, que conduzia o violão pacificamente, estranhou o grito e observou o colega, esperando por uma pergunta ou pedido. Andrade ficou constrangido, pois não tinha nenhum motivo para ter procurado o cantor, em primeiro lugar. Por isso, exclamou alguma desculpa falaciosa e aprontou-se para deixar o local.
    Contudo, algo impediu com que ele saísse. Aqueles olhos, escuros e castanhos como uma misteriosa noite invernal, hipnotizaram seu seguidor. E o recíproco também aconteceu: o outro garoto não pôde deixar de fitar os olhos tímidos, mas imponentes de seu admirador. O contato durou cerca de três minutos, até que Oscar se apresentou cordialmente. Seu observador, contudo, não pôde responder propriamente, principalmente pela vergonha embutida em suas falas. Gaguejou incessantemente, respondendo a primeira coisa que pensou e saindo abruptamente.

A ModosOnde histórias criam vida. Descubra agora