Oscar acordou fatigado, mas dentro de pouco tempo se regozijou da noite exaustiva. Engomou-se em seu uniforme detestável e partiu até a escola.
Ao arrumar-se propriamente, confundiu-se e levou seu empoeirado diário à escola. Como não escrevia nele há meses, leu a anotação mais recente: 29 de junho. Ah, que época viril e petulante, onde o jovem ingenuamente lutou contra a sistematização injusta de sua vida imunda! Obviamente, não deu certo, e a falha foi decepcionante a ponto de causar tentativas de suicídio nos meses seguintes. Após esse evento, talvez por causa de sua intensidade — tanto na afronta e rebeldia quanto na derrota infame —, ele ficou marcado com um trauma muito mais pungente do que os que ele já havia sentido. O esforço foi tão grande e esperançoso, e a perdição foi tão forte e humilhante, que ele nunca mais se voltou contra nada depois disso. Apenas seguiu com sua postura baixa e militarizada, esperando pelas punições tenebrosas. E, talvez por experiência, aprendeu a se acostumar. Assim o fez, também naquele dia.
O intervalo chegava. Enquanto vagava pelo enorme e rico pátio, sem rumo, ouviu uma melodia única, já decorada, que ele jamais imaginaria ouvir naquele local. Enquanto cordas majestosas conduziam aquela sonoridade inigualável, o jovem Oscar perseguiu insanamente os barulhos que ouvia. E então, o condutor do violão começou a cantar. E seu ouvinte também cantou, enquanto perseguia sua voz pelas estradas infindáveis do pátio. Apesar da distância, os dois cantavam o mesmo trecho:“Estava à toa na vida, meu amor me chamou
Pra ver a banda passar, cantando coisas de amor!”E aquela melodia cognoscível e formosa hipnotizou Oscar, que abriu todas as portas possíveis procurando pelo seu cantor.
“A minha gente sofrida despediu-se da dor
Pra ver a banda passar, cantando coisas de amor!”O estudante estava desesperado, procurava o tal vocalista por todos os recantos, mas de nada importava. Enquanto isso, a música continuava, nos dois lábios:
“O homem sério que contava dinheiro parou,
O faroleiro que contava vantagem parou,
A namorada que contava as estrelas parou,
Para ver, ouvir e dar passagem…”Conseguiu ver um jovem tocando o violão, ao longe. Correu para encontrá-lo.
“A moça triste que vivia calada sorriu,
A rosa triste que vivia fechada se abriu
E a meninada toda se assanhou
Pra ver a banda passar, cantando coisas de amor!”— Espera! — gritou Oscar, ofegante. O outro jovem, que conduzia o violão pacificamente, estranhou o grito e observou o colega, esperando por uma pergunta ou pedido. Andrade ficou constrangido, pois não tinha nenhum motivo para ter procurado o cantor, em primeiro lugar. Por isso, exclamou alguma desculpa falaciosa e aprontou-se para deixar o local.
Contudo, algo impediu com que ele saísse. Aqueles olhos, escuros e castanhos como uma misteriosa noite invernal, hipnotizaram seu seguidor. E o recíproco também aconteceu: o outro garoto não pôde deixar de fitar os olhos tímidos, mas imponentes de seu admirador. O contato durou cerca de três minutos, até que Oscar se apresentou cordialmente. Seu observador, contudo, não pôde responder propriamente, principalmente pela vergonha embutida em suas falas. Gaguejou incessantemente, respondendo a primeira coisa que pensou e saindo abruptamente.

VOCÊ ESTÁ LENDO
A Modos
RomansaOscar Andrade é um jovem poeta, maltratado pela vida. Eduardo Carvalho é um aspirante a músico, introspectivo aos excessos. Quando ambos se conhecem, um laço se forma entre os dois, que se estende aos seus amigos. Capa por Ester Araujo. Novos capítu...