Esses tempos têm sido excepcionalmente difíceis para a postagem da história. Porém, a partir de hoje, tudo voltará ao normal.
[Aviso de gatilho: Depressão, auto-mutilação].
Graças às infelizes provas de Eduardo, o casal permaneceu conversando virtualmente por longos meses. Enquanto isso, Oscar tentava eloquentemente achar uma data para unir seus amigos com os de Carvalho. Em todas as tentativas anteriores, um dos visitantes ficava ocupado e não podia comparecer. Agora, contudo, finalmente todos os oito estavam completamente disponíveis, e foram se encontrar no shopping. Oscar estava ansioso para que todos se conhecessem, e sentia saudade de todos os rostos que não via há mais de um mês, mas principalmente de Eduardo.
Enquanto aguardava inquieto na mesa redonda do centro da praça de alimentação, viu uma silhueta familiar. Era Eduardo.
— Eduardo!
— Oscar!
Os dois imediatamente se abraçaram. Oscar começou a dizer:
— Mas que saudade senti de ti, rapaz! Nunca mais me somes assim.
— Meu Deus, o que houve com o seu vocabulário?
— É que não converso com outras pessoas há muito tempo.
Os dois riram. Sentaram na grande mesa, esperando enquanto papeavam. Dentro de pouco tempo, surgiu Clarice.
— Oi, Clarice! — exclamaram.
— Oi, meninos. Que saudade!
— Pois é... faz tanto tempo... — disse Eduardo, intrigado.
— Oscar, o que vamos almoçar?
— Bom, vocês são livres. Eu pessoalmente vou comer sushi.
— Sushi... Boa ideia — Clarice estava pensativa.
— Sushi? Nunca provei — disse Eduardo.
— Você também vai comer, então — retrucou Oscar.
— Mas, Oscar...
— Não tem discussão. Se você não gostar, nós pagamos outro lanche pra você.
— Certo... Ditador.
— Ouça as palavras do Grande Irmão!
— Hm, então quer dizer que você curte um pouco de incesto?
— Ah, meu Deus!
De repente, Clarice interveio:
— Então é isso? Eu sou oficialmente a seguradora de vela?
— Ah, não... — ironizou Eduardo.
— Dá pra ver que sou um castiçal!
Em um momento, Sofia chegou e sentou-se à mesa.
— Sofia! — disse Oscar. — Vem aqui. Esses são Eduardo e Clarice.
— Olá, Sofia, é um prazer conhecer você — falou Eduardo.
— Oi, Sofia! — agraciou Clarice.
— Oi, gente! Obrigada pela cortesia. Oscar me falou muito bem de vocês.
— Ele falou que o Eduardo tem síndrome de formalismo? — ironizou Clarice.
— Isso não é verdade! Eu só mantenho a discrição!
— Meu Deus, a cada vez que você fala parece que você nasceu em 1850!
— Hahaha! Sua chata!
— Tenho que concordar com a Clarice — interrompeu Oscar.
— Até tu, Oscar? Até tu?
— Cala a boca, seu shakespeariano de merda — Esfregou a mão pelo cabelo do parceiro.
— Vocês são tão fofos! — falou Sofia.
— Sofia, eles tão fazendo piada de Shakespeare! De Shakespeare! — interceptou Clarice.
— Bom, talvez você tenha razão...
Enquanto os quatro discutiam, chegou Ariel, tímida e ansiosa para a sua apresentação. Sofia apressou-se para apresentá-lo:
— Gente, esse é o Ariel!
Todos agraciaram Ariel.
— Obrigada, gente, obrigada — respondeu, tímida.
Eduardo ficou um pouco confuso:
— Ariel, você é...
— Ah, eu sou não-binário, por isso não faz diferença se vocês me chamarem de ele ou ela!
— Ah... certo — ruborizou de vergonha por não ter percebido isso.
— Você é tão fofo envergonhado — sussurrou Oscar.
— Cala a boca! — retrucou.
— Fico feliz por conhecer o Eduardo. Vocês são um ótimo par — disse Ariel.
Eduardo corou. Oscar se inclinou e repetiu:
— Eu já disse que você...
— Cala a boca! — ambos riram.
— Clarice — chamou Sofia. — Acho que você tem razão, sobre os formalismos...
— Não é? Ele é praticamente um burguês filho de militar.
— Ei! Esse é o Oscar! — interveio Eduardo, que escutou a conversa das duas.
Oscar, porquanto, não se sentiu bem. Seu pai, para ele, era um passado. Ele começou a se lembrar das várias repressões que eram feitas contra a sua pessoa, e lacrimejou lentamente. Chorar era algo que não fazia há muito tempo. Pelo menos, não pela tristeza amarga, aquela que sempre sentiu, e que trancafiou para si mesmo depois de conhecer seu amor. Levantou-se e correu ao banheiro, sem dizer uma palavra. Vomitou e desfigurou sua face de tanto chorar. Ele se sentia muito, mas muito mal. Queria se matar. Imediatamente.
Eduardo correu desesperadamente até a cabine de Andrade no banheiro, onde abraçou-o veementemente enquanto ele guinchava um pranto de morte. Passaram-se minutos até que conseguisse se recuperar e começasse a desabafar:
— É tudo culpa minha, é tudo culpa minha, eu sinto muito. Eu não devia, eu não devia, a culpa é minha. Eu sou ingrato, muito ingrato. Eu tenho tudo o que eu não tinha há pouco tempo atrás, eu tenho você, mas eu continuo chorando e berrando porque sou um garoto mimado. Eu me odeio, eu me odeio... Eu odeio a minha vida. Eu tento reprimir, eu tento abafar esse ódio, mas não vai. Eu me cortei, eu me cortei semana passada. Nada mudou dentro de mim desde que eu conheci você, eu só passei a me esconder melhor.
— Oscar — interrompeu. — Isso não é culpa sua. Isso não é algo que você possa resolver sozinho, ou comigo, ou com os seus amigos. Você precisa de um psicólogo. Eu já frequentei um, e tenho certeza absoluta de que você precisa disso. Para de diminuir os seus problemas. Isso não vai te levar a lugar nenhum.
— Você tem razão...
— Você vai pra casa agora. Eu aviso a sua mãe.
— Não.
— Oscar!
— Não! Ir pra casa só vai me fazer sentir pior! Eu preciso me acalmar, viver melhor. Eduardo, por favor. Eu juro por Deus que vou falar com a minha mãe sobre isso, e posso atualizar você do que for necessário, mas eu me sinto realmente bem aqui. Eu só vim aqui por causa daquele seu comentário...
— Eu sinto muitíssimo por isso...
— Não, não, não é culpa sua. Não tinha como você saber.
— Oscar, eu não quero ver você mal.
— Eu vou ficar bem...
— Não!
— Por favor... Eu não quero ficar sozinho, sem ninguém, largado em casa...
Eduardo suspirou fundo:
— Se você apresentar um único sintoma de que se sente mal, eu vou te levar imediatamente, tá?
— Certo. Agora vai lá, eu vou me recuperar um pouco.
Eduardo saiu do banheiro incerto. Clarice estava a caminho, exigindo explicações. Ele falou calmamente o que havia acontecido, e ambos decidiram se encostar na parede para conversar sobre. Sofia e Ariel estavam totalmente sozinhas na mesa.
— Ah, Ariel, eu fico um pouco preocupada com isso, sabe...
— Pois é, eu também. Mas tenho certeza que o Oscar vai se sentir melhor. O Eduardo parece uma ótima pessoa...
— É...
— Sofia, você se sente bem? Venho notando que você anda um pouco deprimida.
— É que... ontem eu me senti intimidada pelos meus pais por "não me decidir". Como se tivesse que ser feita uma decisão... Sair do armário está sendo um pouco difícil...
— Eu entendo você. Muito bem.
— Como foi sair do armário pra você, Ariel?
— Não foi tão difícil como não-binário. O problema foi... me aceitar como intersexo.
— Oi? — A face de Sofia transparecia surpresa.
— Pois é... Os meus pais queriam muito uma menina, então quando eu nasci entre os dois gêneros, fui considerada como uma garota. Sempre tive dúvidas sobre a minha genitália, e os detalhes da minha aparência física, mas sempre que perguntava, os meus pais me ignoravam. Eu comecei a me odiar, achar que eu era uma aberração. Eu evitava ir no banheiro porque não queria me olhar no espelho. E, naturalmente, comecei a me auto-mutilar. Foi horrível...
— Nossa... Mas como você se descobriu intersexo?
— Bom, eu sou curioso, então pesquisei sobre. No início encontrei pouquíssima informação, mas explorei o máximo que pude, até que descobri o que era. Me senti tão leve depois disso... como se um fardo saísse das minhas costas. Depois de descobrir que eu não encaixava nem precisava encaixar em um gênero ou outro, parei de me pressionar e, naturalmente, me assumi não-binário. Eu me lembro que, em alguns dias no início da minha aceitação, eu ia pelado toda noite para o banheiro, me olhava no espelho enquanto segurava minha virilha e repetia "Eu não sou homem, eu não sou mulher, eu sou eu" diversas vezes. Tudo fluiu muito bem depois disso.
— Uau... você é inspiradora...
Ariel corou.
Subitamente, Eduardo e Clarice chegaram, com Oscar. Os três pareciam tranquilos, apesar de tudo.
— Oscar, você tá bem? — perguntou Ariel.
— Sim — Oscar genuinamente sorriu.
— Perdi alguma coisa? — disse Simone, que acabava de chegar.
— Simone! Querida! — Ariel exclamou. — Essa é a Clarice, e o Eduardo.
— Oi, gente. É um prazer conhecer vocês. Vocês vão pedir o quê?
— Ah, eu, a Clarice e o Eduardo vamos pedir sushi — falou Oscar.
— Diga por vocês! — ironizou Eduardo.
— Bom, eu vou comer uma salada mesmo. E posso pegar um sushi também — Sofia interveio.
— Vou comer um prato de comida, mesmo — retrucou Ariel.
— Nossa, enquanto vocês seguem as dietas detox da influencer de Instagram, eu vou aproveitar e comer um bom hambúrguer!
— Simone, sua gulosa! — brincou Sofia.
— A culpa não é minha se vocês vão pro shopping pra comer arroz com feijão.
— Já gostei de você, Simone — falou Clarice.
— E tem como não gostar?
De repente, surgiram Heitor e Pedro. Simone falou:
— Gente, mas tá vindo pessoa do ralo! Oi, pessoal!
Os dois recém-chegados se apresentaram. Todos agraciaram e foram pedir os pratos. Quando chegaram todas as refeições, se alimentaram com fervor. Foi um dia divertido. E agora, todos estavam confraternizando suas relações.
Terminado o almoço, todos conversaram mais um pouco e, por fim, foram embora. Eduardo, contudo, decidiu que permaneceria com Oscar até que a sra. Andrade chegasse. Segurou o braço do parceiro e acompanhou-o até o estacionamento, enquanto esperavam o carro.
— Muito obrigado, Eduardo, muito mesmo. Por... Por tudo que você está fazendo por mim.
— Eu faria muito mais por você. Só quero que você me prometa que vai falar tudo para a sua mãe...
— Sim, sim, eu vou. Eu estava com saudade de você...
— Eu também. Precisamos nos ver um dia desses. Só nós.
— Como no início do ano?
— Como no início do ano...
— É uma boa ideia...
Ouviu-se uma buzina. Era a mãe de Oscar.
— Até, meu amor — disse ele, se aprontando para deixar o local.
— Até mais, e boa sorte — Abraçou-o antes de partir.
Entrou no carro de sua mãe, nervoso.
— Oi, querido. Deu tudo certo?
— Então... Eu... Eu... me senti mal em um momento.
— Por quê?
— Porque eu ando muito mal recentemente...
— Filho...
— Mãe, eu preciso de ajuda. Eu me auto-mutilei na semana passada.
A sra. Andrade permaneceu pálida. Estacionou o carro e imediatamente guinchou de horror com o que acabava de ouvir. Chorou desesperadamente no ombro do filho, que decidiu abraçá-la por consolo.
— Filho, por favor, pelo amor de Deus...
— Eu preciso de ajuda, mãe. Urgentemente.
— Mas é claro, meu amor. Vamos procurar um psicólogo o quanto antes. Mas enquanto isso, eu preciso que você resista, por mim, por favor... Eu quero que você me explique...
— Com certeza, mãe.
Os dois se abraçaram e choraram, antes de Oscar discursar sobre o que, exatamente, ele sentia.

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A Modos
RomanceOscar Andrade é um jovem poeta, maltratado pela vida. Eduardo Carvalho é um aspirante a músico, introspectivo aos excessos. Quando ambos se conhecem, um laço se forma entre os dois, que se estende aos seus amigos. Capa por Ester Araujo. Novos capítu...