18/12/2023

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 [Aviso de gatilho: Violência sexual, morte].

   Clarice estava estática de medo, apesar de sentir seu corpo tremer eloquentemente. Tentava escorregar seus pulsos suados pelas mãos do agressor, mas não conseguia. Tentava fechar os olhos, gritar, chorar, mas de nada adiantava, pois o pavor lhe transformava em uma estátua. Ela queria chutar e socar aquele rosto demoníaco, aquele sorriso maníaco de sadismo, mas sabia que era incapaz. E ele também sabia. Tanto que, em um momento, soltou suas mãos e esperou, sabendo que nada iria acontecer.
    — Tá com medinho, é? — sussurrou o agressor, ironicamente. Clarice queria fugir, se afastar, mas não conseguia, e apenas fechou os olhos enquanto sentia o corpo de Gabriel se aproximar. 
    Logo, outro som apavorou a vítima: uma lâmina sendo retirada. Não quis abrir os olhos, por medo, mas sabia que uma faca muito afiada estava encostando no seu pescoço. Engoliu seco e ergueu a cabeça, achando que iria explodir. Naquele momento, decidiu aceitar sua morte e entregar-se às ações pútridas do agressor.
    A morte, contudo, não veio. Ao invés de cortar-lhe de uma vez a garganta, Gabriel decidiu usar a faca como ameaça. E, enquanto a ansiedade da jovem crescia, ela ouviu a fivela do cinto ser retirada e a calça jeans áspera cair no chão. Quis vomitar, porque sabia o que ia acontecer, e sabia que era a pior coisa que lhe podia acontecer. Seu corpo inteiro tremia com mais intensidade, sua alma rugia com mais intensidade, o nojo e a raiva se apossavam do pavor. Ansiosa, com a necessidade imediata de escapar, Clarice urrou e pisou com toda a sua força no pé de Gabriel.
    Um guincho de dor se espalhou por todo o quarto, tamanha a dor que Gabriel sentiu. A garota estava chocada. Jamais pensou que conseguiria fazer isso. E, após alguns segundos de choque, um largo sorriso de esperança se estendeu em sua boca. Imediatamente, ela empurrou o agressor ao chão, com uma raiva tremenda.

    Aliviada por ter neutralizado o inimigo, correu com euforia em direção à liberdade. Gabriel segurou seu pé e acabou desequilibrando e derrubando-a ao chão. O pânico retornou, a ansiedade explodiu novamente e a situação não parecia nem um pouco boa, agora que a pelve do agressor se encontrava totalmente despida de algodão e de empatia.
    Ele se debruçava em sua perna e escalava, como se estivesse em uma montanha rochosa e perigosa. Em um momento, já havia envolvido totalmente o corpo da jovem, que se via imobilizada e engaiolada pelos braços do ex-namorado. Seus olhos se arregalaram, e seus suspiros se tornaram cada vez mais ofegantes. Ela não podia deixar tudo a perder — não agora, que tinha conseguido tanto progresso!
    Decidida, Clarice tentou se libertar o máximo possível das amarras físicas de Gabriel, o suficiente para apanhar a faca caída no chão e atacar veementemente o jovem. A dor dos cortes, que se multiplicavam mais e mais, dobrando, triplicando e quadruplicando conforme a liberdade da vítima era ampliada, se tornou insuportável. Ela não queria nem olhar para o que estava fazendo, com repúdio. Apenas atacou-o com toda a raiva acumulada e permitiu-se escapar daquele quarto o mais rápido possível.
    Olhou para trás e viu seu estrago, antes de deixar o cômodo: as coxas e canelas de Gabriel estavam cobertas de cortes, mas se destacava, pelo centro do corpo, o sangue exalado da pelve: Clarice havia arrancado um testículo de seu agressor. Imediatamente vomitou pelo chão e correu para o pátio de sua casa, no intuito de se afastar dessa visão horrenda que acabava de ter. Estirou-se no chão a chorar, até o fatídico momento em que a polícia chegou.

. . .

    Oscar acordou de manhã, mais tarde do que o usual. Esboçava uma felicidade incomum em seu rosto, dado o evento tão festivo do dia anterior. Mal sabia que aquele dia seria inundado por um clima pesado de conflito.
 

   Desceu as escadas para fazer o café da manhã, encontrando a mãe desabando em lágrimas no sofá, enquanto lia uma notícia no celular.
    — Mãe? O que houve? 
    Conforme a mãe desviou os olhos do celular para fixá-los a Oscar, ele percebeu que ela chorava de felicidade.
    — Você sabe, filho… Eu não quis te contar, porque você não se sentia muito bem, mas… Eu recebia muitas ameaças do seu pai pelo correio, de forma bem direta. E isso me assustava muito, porque ele ameaçava a mim, a você e ao seu irmão. Mas… eu acabei de ler aqui no jornal que… ele foi atropelado e morreu.
    Oscar ficou chocado. Não sabia como reagir a essa notícia, mas a única coisa que conseguia pensar era em alívio. Uma tranquilidade mórbida se apossou de sua alma. Se sentia confuso e culpado pelos próprios sentimentos.
    Em um momento, Andrade abraçou a mãe. Fechou os olhos, enquanto um sorriso lhe era esboçado no rosto e uma lágrima caía da pupila. Finalmente, a paz seria garantida totalmente. E, apesar de se sentir culpado por pensar assim, enfim conseguiu se aliviar, sabendo que todos os problemas amargos do passado jamais persistiriam no presente.

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