Oscar acordou tarde. Como prometido ao seu irmão no dia 19, permaneceu horas se divertindo com ele. Consequentemente, acordou muito tarde. Inicialmente, ao acordar, pegou seu celular. Eram 11h. Viu as notificações. Muitas novas mensagens no Whatsapp. Primeiramente, checou as de Eduardo. Nada demais, apenas um "Bom dia, sinto saudade". Contudo, o que realmente surpreendeu o jovem foram as mensagens no seu grupo de amigos. Ele tinha se esquecido, mas há menos de uma semana haviam planejado um almoço coletivo no shopping. Ele estava atrasado. Correu para se preparar o suficiente. Seu irmão logo percebeu a pressa, mas Oscar não se ateve nele. Em um instante, já estava no banco do carro de sua mãe, enquanto ela o conduzia até o shopping.
Foi até a lanchonete anotada. Como o esperado, era o último a chegar. Lá estavam eles: Sofia, Simone e Ariel, todos papeando e com o cardápio já posto à mesa.
— Oi, gente!
— Oscar, finalmente! — disse Sofia.
— Desculpa... eu me atrasei um pouco.
— Um pouco? Um pouco é uma ova! — interrompeu Ariel.
— É, talvez muito. Mas enfim, já pediram o que vão querer?
— A Simone pediu um cheeseburger duplo com bacon e cheddar, a Sofia pediu uma salada pequena com batatas fritas e eu pedi um hambúrguer de frango. Só por isso, dá pra ver que eu sou o mais equilibrado entre nós.
— Ei, Ariel, mas eu pedi salada!
— Com batatas fritas!
— Pelo menos não é um hambúrguer!
— De frango não tem problema...
— Só se for vegetariano!
— O vegetariano tem gosto de excremento!
— Meu Deus — Simone interveio. — Enquanto as patricinhas aí ficam esbanjando o quão pouco elas comeram, eu saboreio mais comida.
Todos riram. Oscar logo pediu seu prato e todos voltaram a conversar:
— Oscar, por que você demorou tanto hoje? — Sofia perguntou.
— Ah, meu irmãozinho dorme tarde e acabou me arrastando com ele. Não foi tão ruim quanto vocês podem imaginar. Assistimos um filme do Lars von Trier, então acho que valeu a pena.
— Você não tem nem vergonha de mostrar um filme do Lars von Trier pra uma criança de 13 anos? — perguntou Ariel, ironicamente.
— Ah, ele é... diferente. Excêntrico.
— A sua família é cheia de malucos — disse Simone. — Ah, e como vão as coisas com o seu namorado?
— Vão boas, eu diria. Semana passada ele me convidou pra comemorar o aniversário dele numa cafeteria. Ele me apresentou aos amigos dele, e... são pessoas muito legais. Vocês deviam conhecer eles.
— Seria bem divertido conhecer eles, Oscar. A gente pode marcar um dia desses. Agora, com licença, eu vou ir pro banheiro.
— Eu vou pegar os milkshakes — falou Oscar.
— Eu vou querer um de chocolate com menta — disse Ariel.
— Eu vou querer um de morango — retrucou Sofia.
— Certo. A Simone não vai querer, como sempre. Vou buscar.
Enquanto Oscar e Simone se ausentavam, apareceu uma menina familiar para Sofia. Era Rafaela, que conviveu na sua turma do colégio durante muito tempo. Sofia definitivamente não gostava dela, e queria que ela fosse embora. Mas, por azar, Rafaela pôde ver a ex-colega ali, imediatamente avançando.
— Oi, Sofia! Lembra de mim?
— Oi, Rafaela... Lembro de você, lembro bem.
— Que bom! Em qual faculdade você foi?
— Eu fui pra UERGS, mesmo. E você?
— PUC.
— Muito legal — Desviou a cabeça, querendo fugir da conversa.
— E você finalmente se assumiu lésbica?
— Rafaela, você não tem nada a ver com isso — respondeu Sofia, levantando da cadeira dominada por furor.
— Ai, tudo bem, eu só tava querendo saber. Mas se você quer ser grossa... tudo bem.
Quando estavam sozinhos, Ariel perguntou:
— Sofia? O que foi isso?
— Ah, é que... quando eu tinha uns 14 anos, eu me envolvi com uma menina, a Valéria. A gente se amava muito, e mesmo quando nosso relacionamento foi divulgado pra escola inteira, continuamos firmes. Mas... ela infelizmente faleceu...
— Eu... sinto muito...
— Não, não, obrigada, mas eu já superei isso. O que acontece é que... uns dois anos depois, eu me relacionei com um garoto, e quando se espalhou pela escola, todo mundo ficou confuso, achando que eu era uma lésbica dentro do armário e que o meu amor por esse garoto não era verdadeiro. Nós acabamos terminando um tempo depois, porque achamos que era melhor sermos só amigos, mas só disseram que eu era uma lésbica enrustida... — Sofia começou a chorar. Ariel ofereceu seu ombro.
— Tá tudo bem, tá tudo bem...
— Eu só não entendo esse estigma de ver as pessoas sempre como homens ou mulheres, héteros ou gays. Eu acho isso tão injusto... O amor não se trata só disso... Sabe, quando eu tava saindo com a Valéria, eu não tava fazendo isso porque ela era mulher, mas porque ela era ela. Você entende?
— Eu entendo você, Sofia, eu entendo muito bem... Na verdade, eu passei por algo bem parecido com isso, quando eu me declarei não-binário. As pessoas nunca entendiam que eu não era mais a Sara, e que eu era feliz assim. Nem meus pais me entenderam... Eles acharam que ia ser só uma fase boba. Como se a minha identidade de gênero não fosse importante. E a cada vez que me chamavam de Sara, eu só me sentia mais e mais pisoteado. Até hoje, tem algumas pessoas que, apesar de admitirem que eu sou não-binário, acham que eu sou "mais mulher" ou "mais homem".
— Muito obrigada, Ariel — Estava se recuperando. — Isso é muito frustrante, essa tentativa de encaixar pessoas em caixinhas...
— Eu entendo... Mas sempre vou estar aqui pra te ajudar — Sorriu.
De repente, Simone voltou:
— O que eu perdi?
— Nada demais — respondeu Ariel.
O resto do evento permaneceu relativamente tranquilo. Foi um dia extremamente divertido.

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A Modos
RomanceOscar Andrade é um jovem poeta, maltratado pela vida. Eduardo Carvalho é um aspirante a músico, introspectivo aos excessos. Quando ambos se conhecem, um laço se forma entre os dois, que se estende aos seus amigos. Capa por Ester Araujo. Novos capítu...